Juliano Nery Juliano Nery 15/1/2013

Primeiro de abril

IlustraçãoContando, até parece mentira. Ainda mais porque era um 1º de abril. Foi logo quando comecei a viajar mais constantemente e a seguir para paragens cada vez mais distantes do sul de Minas e passei a desenvolver uma certa nostalgia de São Lourenço, minha cidade natal, que já havia deixado há uns cinco anos, na época. Estava em Manhuaçu, em um fim de tarde, ao encerrar mais um dia de trabalho, quando bateu uma enorme saudade da antiga casa. Parece mentira, mas a data marca o aniversário da cidade, da sua emancipação.

Após ter trabalhado exaustivamente naquele dia, pensei, "lá em São Lourenço deve estar rolando o maior feriado". E, lembrando da minha trajetória passada, rememorei as ocasiões em que participava, ainda como estudante ou como soldado do Tiro de Guerra, dos desfiles que marcavam o feriado de emancipação do município. E, com o coração apertado, decidi percorrer as ruas de Manhuaçu para procurar um telefone público, já que à época, os planos de telefonia celular ainda não apresentavam preços e vantagens interessantes e o jeito era apelar para os interurbanos de orelhões para linhas fixas. Será que ainda existem orelhões? Boa pergunta...

Voltando ao passeio pelas ruas de Manhuaçu, passei diante da igreja matriz da cidade. E, num rompante típico de mineiro do interior, que quando o calo aperta trata logo de fazer suas preces, entrei no templo sem pestanejar. Queria estar próximo da minha cidade e dos meus, embora tão distante... Parece mentira, mas quando olho para o altar, está lá, com grelha na mão e face contrita, a imagem do padroeiro da minha querida cidade, o São Lourenço. Fiquei tomado de grande alegria pela feliz coincidência e, após realizar uma ou outra oração, tratei de caçar o bendito orelhão (naquela época ainda existia) para falar com dona Laura, minha mãe, sobre o São Lourenço de Manhuaçu.

E, quando finalmente acho o orelhão, verifico o número impresso no aparelho telefônico e, parecendo mais uma mentira, verifico que o prefixo do telefone fixo é 3331, assim como em São Lourenço. Diferiam-se apenas pelo código de área, 33 para Manhuaçu, e 35, para São Lourenço. Após conversar com a família e já me sentir mais familiarizado, percorri o comércio, onde muitas lojas carregavam o nome do santo, muitas delas com o prefixo telefônico, o que me fez sentir ainda mais em casa, mesmo estando uns 550 km das minhas raízes.

Quando voltei para o hotel, já estava mais tranquilo e menos nostálgico. Havia São Lourenço para todo lado, havia um quê de lar, doce lar. Parece mentira, mas mesmo tão distante, com os pontos cardeais fugindo do Sul para o Leste das Minas Gerais, deixando a Serra da Mantiqueira em detrimento ao Caparaó, sentia-me como se estivesse entre os meus e em meu território. São os mistérios que a vida nos reserva. Mesmo num duvidoso dia 1º de abril.

Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. Manhuaçu pode ser encontrada na latitude 20° 15' 28" S e longitude 42° 02' 02" O


Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.

* Ilustração: Lucí Sallum

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