Mais de dez mulheres autoridades na temática da violência contra a mulher em Juiz de Fora participaram da programação do “Fórum Violência Contra a Mulher: múltiplos olhares, desafios e perspectivas. falaram sobre a dinâmica dos atendimentos às mulheres no Teatro Paschoal Carlos Magno, ao longo desta quarta-feira (22). Estiveram presentes representantes da sociedade civil, do sistema de justiça criminal, das forças de segurança, dos serviços de saúde, da assistência social, dos direitos humanos e da prevenção às violências.
A violência contra a mulher tem chamado a atenção no noticiário da cidade. No Internacional da Mulher, em Juiz de Fora, um homem esfaqueou a ex-esposa no Bairro Jardim Natal. "Essa tentativa de feminicídio, justamente nesta data, foi muito chocante para todas nós mulheres. Especialmente para nós que trabalhamos com essa temática, comenta a coordenadora da Casa da Mulher, Fernanda Moura.
Fernanda ressalta que é um motivo de preocupação o aumento do número de tentativas de feminicídio e feminicídios consumados. ”A Casa da Mulher é um centro de apoio às mulheres em situação de violência. Trabalhamos com acolhimento, atendimento psicológico, jurídico, de assistência social. Temos percebido esse aumento. O que tem chamado a atenção da nossa equipe é que as mulheres que têm chegado à Casa, têm relatado situações mais graves mesmo de ameaça, inclusive com arma, com faca. Até pouco tempo atrás, atendíamos muito mais a questão da violência psicológica. Ela é sempre a primeira que acontece e sempre que tem violência física, a violência psicológica ela também existe.” Ela acrescenta que esse atendimento é feito em parceria com a Delegacia da Mulher e com a Polícia Militar, por meio da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica.
Para Fernanda, não é possível afirmar, no entanto, se esse aumento nas notificações se deve mais à uma iniciativa maior das mulheres de realizar as denúncias, até mesmo em função de uma divulgação maior de informações a respeito dessa temática, ou se, de fato, ocorre uma escalada desse tipo violência.
A coordenadora da Casa da Mulher, no entanto, considera que esse trabalho intersetorial é fundamental para o combate aos crimes contra as mulheres. “A gente tem que trabalhar em rede. Nenhum equipamento consegue sanar todos os problemas sozinho, especialmente, com relação à violência. Esse é muito importante, tanto para fortalecer a rede de enfrentamento, quanto para divulgar também para a sociedade, para o cidadão que vai lá assistir, o que que é o papel de cada equipamento. Seja a Casa da mulher, a Defensoria Pública, a Delegacia da Mulher, a Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica, a Secretaria de Saúde, porque as UBSs, especialmente, são porta de entrada dessas mulheres que estão sofrendo violência física.” O evento reuniu tanto a rede estadual quanto a municipal.
Como corrobora a secretária Segurança Urbana e Cidadania (SESUC), Letícia Paiva Delgado, o evento foi pensado dentro da programação “Março Mais Mulher, Mais Democracia”, feita pela Prefeitura, com a finalidade criar um espaço para um debate sobre os múltiplos olhares para o fenômeno da violência contra a mulher.” Então nós fizemos um evento com um olhar intersetorial, em que foram ouvidas mulheres que trabalham não só com a perspectiva da Segurança Pública, do Sistema de Justiça criminal, da Saúde, da Assistência Social, dos Direitos Humanos e outras áreas, para que a gente possa tentar apresentar para a sociedade quais são os atores que fazem parte da rede enfrentamento à violência contra a mulher.”
A titular da pasta reitera que o fenômeno da violência contra a mulher é complexo e, por isso, demanda múltiplas ações, múltiplos atores. “É exatamente isso que a gente está tentando trazer. Muitas vezes essas conversas nelas não chegam até a sociedade civil, que pode entender que a violência contra a mulher é somente uma questão que deve ser debatida pelo viés da polícia ou do Sistema de Justiça Criminal e que a gente consegue demonstrar como que nós temos outros olhares, que devem se conectar, devem se fortalecer para que a gente possa de fato estruturar um fluxo para não só combater, mas prevenir a violência contra a mulher em âmbito municipal.”
O retrato da violência contra a mulher
O primeiro “Boletim de Vigilância das violências contra as mulheres em Juiz de Fora, um raio- x da violência contra as mulheres em Juiz de Fora: um retrato sob a ótica das notificações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), 2017-2021” mostrou que foram identificadas 2.299 notificações individuais de violência interpessoal/autoprovocada ocorrida entre 2017 e 2021. Essas ocorrências envolvem pessoas residentes em Juiz de Fora, o que inclui homens e mulheres de várias faixas etárias, raças, escolaridades e condições socioeconômicas. Levando em consideração algumas peculiaridades, como os anos de isolamento social em função da pandemia. A maioria das pessoas atendidas é mulher.
O levantamento mostra que as mulheres são as principais vítimas das violências da violências doméstica/intrafamiliar e sexual – violências abarcadas pela “Ficha
de Notificação do SINAN”. Os recortes etário e racial também são aspectos que devem ser considerados. A idade apresentou significativa dispersão, variando de 0 a 101 anos. Um terço das pessoas atendidas eram crianças e adolescentes (idade entre 0 e 17 anos) e aproximadamente um quartoeram jovens (idade entre 18 e 29). Juntos, os dois grupos etários representam 62,4% dos casos notificados. Quanto à “raça/cor de pele”,
informação autodeclarada, temos: 1.086 pessoas brancas (47,2%); 592 pardas (25,8%); 427 pretas (18,6%); e 43 “outra” (1,9%). Em 151 notificações, não hé registro dessa informação.
Metade das notificações registra como provável autor da violência pessoa adulta, com idade entre 25 e 59 anos (1.153 casos). Na sequência temos os adolescentes (10 a 19 anos), jo-
vens (20 a 24 anos), pessoa idosa (60 anos ou mais) e criança (0 a 9 anos). Ainda conforme a pesquisa, os tipos de violência mais mencionados são: “física”, “sexual” e “psicológica/moral”, que juntas, representam mais 90% das notificações.
A violência “física” se faz presente em 51,1% dos registros (mais da metade dos casos), ao passo que as notificações de violência “financeira/econômica”, “negligência/abandono”, “tráfico de seres humanos” e “tortura” somam 2,6% (51 casos). Ainda de acordo com os registros consultados, na maioria das notificações, o provável autor da violência é um familiar ou pessoa conhecida da vítima.
“Amigo/Conhecido” foi citado como provável autor da violência em 413 notificações e “Cônjuge/Ex-cônjuge” em 254. As notificações com indicação de provável autor como “Desconhecido” somam 257 casos (11,2%). Evidências de que as violências permeiam relações e espaços públicos e privados. O número de notificações de violência autoprovocada também é elevado, 789, perfazendo 34,3% do total. Além disso, os dados do Sinan também mostram que há uma distribuição e presença da violência em todas as regiões da cidade. Entre as pessoas atendidas/vítimas, foram identificados 183 bairros de residência nas fichas em estudo, sendo “São Pedro”, “Benfica”, “São Mateus” e “Santa Cruz” os que apresentaram maior número de registros.
Do número total de registros, há 789 notificações se referem à violência autoprovocada e outros 1.510 casos provocados por terceiros. O levantamento frisa que mais de três quartos dessas notificações têm como pessoa atendida/vítima uma mulher – casos que somam 1.159 notificações. Dentro do universo de notificações, os casos de violência contra as mulheres alcançam entre 2017 e agosto de 2022 correspondem a 50,4% e 76,8% das violências provocadas por terceiros. Números que chamam atenção e evidenciam a gravidade do problema.
O documento aponta que a violência contra a mulher atinge indistintamente mulheres de diferentes idades, raça/cor, escolaridade e situação conjugal e ocupacional. A idade das mulheres atendidas variou de 0 a 101 anos. O número de meninas de até 17 anos desperta a atenção, são 460 casos, aproximadamente 40% do total das 1.159 notificações em estudo. Os dados indicam que 473 pessoas atendidas se declararam brancas (40,8%), 243 pretas (21,0%), 363 pardas (31,3%). Não declararam “raça/cor de pele” 5,8% das mulheres atendidas.
Sobre a orientação sexual, 614 pessoas se autodeclaram heterossexuais (52,9%), 27 homossexuais (1,9%) e 7 bissexuais (0,6%). Em 184 notificações essa informação não foi registrada (15,9%). Quanto à identidade de gênero, uma pessoa se autodeclarou como travesti, 14 como mulher transexual e cinco como homem transexual. Aproximadamente 20% das notificações não fazem referência a essa informação (228 casos).Há o recorte de classe, que também indica a existência de registros de mulheres estudantes (363), donas de casa (100), desempregadas (25) e trabalhadoras (183). Dessas últimas, 59 atuavam no setor de serviços, 49 no comércio e 26 eram empregadas domésticas. Aposentadas/pensionistas somavam 26 casos.
Sob o ponto de vista da escolaridade, a maior parte das vítimas tem no máximo o Ensino Fundamental e oito eram analfabetas (0,7%). Apenas 38 mulheres concluíram o Ensino Superior (3,3%). Em 32,7% das notificações não há indicação da escolaridade, no que tange ao conjunto de pessoas com idade igual ou superior a 15 anos, 439 casos tiveram a escolaridade declarada. Dessas, 27,3% não concluíram o Ensino Fundamental e 24,6% concluíram; 37,6% terminaram o Ensino Médio e 8,7% finalizaram o Ensino Superior.
Os dados também informam quanto à situação conjugal: aproximadamente 44% das mulheres atendidas eram solteiras, 18% casadas ou em união consensual e 22% menores
de 16 anos. Há 52 mulheres entre as vítimas que eram gestantes no momento da notificação do agravo (4,5%) e 86 declararam ter algum tipo de deficiência ou transtorno (7,4%).
Sobre a localização geográfica de residência das mulheres atendidas, há dispersão.
Dos 157 diferentes bairros identificados, os que tiveram maior volume de registros são: “São Pedro”, “Benfica”, “Santa Cruz” e “Nova Era”. Do número total de ocorrências, apenas oito não informam o local em que moram as vítimas. As regiões de planejamento com maior número de notificações na variável “bairro de residência” foram: “Norte” (263 casos), “Centro-Oeste” (159 casos), “Leste” e “Oeste” (143 casos cada). Treze pessoas
atendidas residiam na zona rural do município de Juiz de Fora.
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