Setembro é o mês marcado pela campanha de conscientização e prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo, que desde 2013 busca discutir a importância do acesso à informação e a promoção de ações relacionadas ao tema. Neste ano de 2023, o lema da campanha é “Se precisar, peça ajuda!”,  projeto que busca incentivar pessoas que estejam passando por momentos difíceis e de crise a buscarem ajuda e entenderem que a vida sempre vai ser a melhor escolha.

Nesse contexto, os relatos de pessoas que lutam contra a depressão são fundamentais, para que seja possível identificar caminhos para o tratamento e, consequentemente, diminuir os estigmas que envolvem a lida com a saúde mental. Como a história da juiz-forana Talytha Castellões, uma mulher de 47 anos, formada em Ciências Contábeis que dividiu com o Portal do Acessa.com o seu processo de tratamento contra a depressão. 

Primeiros Sinais de Depressão

Talytha  começou a apresentar indícios de depressão no trabalho, cerca de dez anos atrás, quando atuava como bancária. Com 20 anos de atuação no ramo, ela trabalhava em agências locais e depois foi transferida para uma agência regional com maior dispersão geográfica. "Eu trabalhava por muitas horas e precisava estar em várias agências do banco. Nesse excesso de viagens, eu passava por uma sobrecarga muito grande”.

As oito horas de trabalho já não eram mais suficientes. Por causa disso, ela passou a fazer jornadas de 12h e até mesmo 18h por dia, além dos finais de semana. A qualidade de vida de Talytha, devido às demandas do emprego começou a ser cada vez mais prejudicada: “Eu ficava muitas horas sem me alimentar, às vezes não almoçava e dormia em média três, quatro horas por noite.”

Com o tempo, a profissional começou a perceber que acordava sem vontade de trabalhar ou sentia medo antes de ir. Esse medo permanecia até antes de começar a trabalhar, porém, ao dar início ao dia, ela conseguia vencer.

Segundo a bancária, naquele momento, ela ainda não havia imaginado que esses poderiam ser indícios de depressão, e mesmo sabendo que havia algo de errado, não conseguia parar de trabalhar para ir ao médico. Até que em 2013 seus colegas de trabalho, que também passaram pela mesma situação, recomendaram que ela procurasse ajuda.

Foi quando procurou por um médico psiquiatra que deu início ao tratamento. No começo, com efeito positivo, conseguia desempenhar suas funções normalmente. Porém, isso mudou meses depois, quando os quadros voltaram a piorar: “Chegou em um ponto onde eu não podia mais ouvir notícias sobre o mercado financeiro na televisão, comecei a perder a noção de onde estava quando dirigia, em qual rua ou cidade estava, tive apagões. Sem contar as crises de choro e os pesadelos com o trabalho”. Depois de um tempo, ela já não conseguia mais atender telefone, ou abrir a sua caixa de e-mail.

Crise

Em um domingo, quando Talytha estava prestes a realizar uma viagem a trabalho para São Paulo, teve uma crise hipertensiva. Com isso, ela foi levada pela sua família até um hospital, onde foi diagnosticada com crise generalizada. Ela precisou de afastamento médico para repousar em casa, pois já havia chegado ao seu limite.

Um tempo depois, mesmo não trabalhando mais, ela considera que a sua situação havia piorado, pois já não conseguia mais levantar da cama e até mesmo realizar cuidados pessoais. “Não conseguia ir ao mercado, não conseguia mais dirigir, não atendia o telefone, não usava rede social, não conseguia assistir noticiário e televisão. E foi assim um bom tempo”. Naquele momento, ela começou a se questionar sobre qual seria o objetivo da vida: “Chegou em um ponto que eu pedi a Deus para me levar, mesmo não tendo coragem de atentar contra minha própria vida.”

 

Superação

Medo de dirigir. Medo de sair de casa. Medo de ir em lugar com várias pessoas. Esses também eram gatilhos de ansiedade que cercavam a rotina de  Talytha. Porém hoje, aos poucos, ela busca retomar sua vida. “Já melhorei bastante! Consigo levantar cedo e fazer várias atividades, consigo falar no celular… Hoje por exemplo [conta, se referindo à quinta-feira, 31], consegui dirigir e fazer uma série de coisas sem o auxílio do meu marido. Eu mesma consegui sair e resolver o que precisava ser resolvido”, relatou com um sorriso na voz.

Apesar das dificuldades sentidas, Talytha se considera em um melhor estado de saúde e em contínua recuperação. Para ela, ainda existem dias em que parecem que o mundo vai acabar ou que já não existe mais nenhuma perspectiva de solução. Por isso, o apoio familiar nesta caminhada é muito importante.

FOTO: Arquivo Pessoal - Talytha Castellões

 

"Sem rede de apoio é difícil sobreviver"

Essa é a resposta de Talytha, quando questionada sobre como foi a questão familiar durante o processo de descoberta do seu diagnóstico. “Minha família foi muito cuidadosa e deu muita atenção, apesar da dificuldade de entender como realmente era a depressão.”

Durante sua readaptação, a família percebeu que Talytha enfrentava as noites de forma mais tranquila do que durante os dias, então, para ter acompanhamento, seu marido passou a trabalhar durante as noites para ficar com ela nos momentos mais difíceis.

“Por que que você não consegue levantar da cama? Por que você não consegue responder uma simples mensagem?”, essas eram algumas cobranças que nossa entrevistada recebia de amigos e família. Segundo um conteúdo publicado através da instituição Vida VG - Diagnóstico e Saúde, a desvalorização e desconsideração das pessoas em relação à depressão é comum, pois é um comportamento relacionado à falta de conhecimento sobre a doença. Isso aconteceu até mesmo com Talytha, que precisou de um período para entender e aceitar que tinha depressão: “Eu precisei de um longo período para aceitar que estava doente. Achava que era psicológico e não conseguia aceitar porque era algo difícil de tangibilizar.”

Antes, ela via muitos colegas de trabalho passarem pelos mesmos sintomas, mas não acreditava que era verdade: “Eu procurava ter a atitude correta, mas o meu sentimento era completamente o contrário. Eu não tinha empatia nenhuma e achava que depressão era doença pra gente à toa”, relata como era sua compreensão. Atualmente, ela conta que entende a importância da empatia e o poder que tem o ato de se colocar no lugar de outra pessoa.

FOTO: Arquivo Pessoal - Família/Rede de apoio de Talytha. Na ordem: Marido, filha de 6 anos, sogra, filha de 20 anos e sua mãe.

Por ter duas filhas, uma de 6 anos e outra de 20, que no período do diagnóstico eram ainda mais novas, existia uma cobrança muito maior sobre si mesma pelo seu papel de mãe: “Eu sou responsável pelas minhas filhas e tenho que cuidar delas. Tenho que zelar pelo bem-estar, cuidar da alimentação, e da sobrevida de ambas. Porém, ao mesmo tempo, eu já não estava mais aguentando”. Ela define essa sensação como pânico por saber que precisava fazer algo e que o próprio corpo não respondia.

Além do tratamento terapêutico, Talytha conta que outro ponto muito importante para o seu processo de recuperação foi a fé. “Através disso, eu comecei a me esforçar para estar na igreja. Cada pessoa busca uma maneira de recuperação e eu busquei através da religião como um ponto de apoio. Encontrei o que me fortalece para continuar.”


A conscientização é durante o ano inteiro

Vanderson Rocha, psicólogo especializado em depressão, acredita que é crucial falar sobre a depressão ao longo do ano e não apenas em setembro, pois o suicídio é o estágio final de um processo que envolve a depressão. Ele enfatiza a importância de tratar a doença de forma adequada e de compreender suas causas.

“O que muitas pessoas também precisam entender é que o indivíduo quer sair desse lugar. Ele não quer ficar ali. E as pessoas questionam ‘quando é que você vai melhorar?’, ‘quando é que você vai sair desse lugar?’. Estamos falando de um adoecimento. Você pode fazer tratamento para o resto vida com um endocrinologista a respeito de problemas de tireoide, tomar insulina e uma série de medicações, mas você não pode tomar medicação ou ter depressão para o resto da vida.” 

O psicólogo compartilhou com o Portal uma matéria realizada pelo Fantástico, onde cientistas criam marca-passo cerebral para combater a depressão. Nesse estudo experimental, uma mulher chamada Sarah já não respondia a tratamentos convencionais feitos com medicamento, então foi feito um estudo onde detectaram de onde vinham os sinais e gatilhos que poderiam agravar a sua depressão. Com isso, foi colocado um marca-passo no cérebro dela, que só era ativado quando determinados sinais apareciam, gerando efeito instantâneo e devolvendo um estado de normalidade ao cérebro. Sobre isso, Vanderson comenta: “Então a depressão de uma certa forma não é sobre o medicamento, nem sobre a melhor qualidade do remédio. É sobre uma nova perspectiva de olhar”, pondera. Ainda segundo ele, a medicação é eficiente, porém, se o indivíduo não entender a causa daquela depressão, a medicação não funciona.


Setembro Amarelo

A Organização Mundial da Saúde registrou mais de 700 mil suicídios em 2019 em todo o mundo, com estimativas de que mais de 1 milhão de casos não foram relatados. No Brasil, são registrados cerca de 14 mil casos por ano, o que equivale a uma média de 38 suicídios por dia.

Embora os números estejam diminuindo em todo o mundo, o continente americano possui índices que não param de aumentar. Sabe-se que praticamente 100% de todos os casos de suicídio estavam relacionados às doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. Dessa forma, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e informações de qualidade.

Arquivo Pessoal - Talytha Castellões

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