O Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual é celebrado nesta quarta-feira (13). A data, criada em 1961 pelo Decreto nº 51.045, instituiu o Dia do Cego, considerando ‘a necessidade de incentivar o princípio de solidariedade humana’. De acordo com a Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde, a escolha do dia faz referência ao Dia de Santa Luzia, celebrada pela igreja católica como protetora dos olhos.


O principal objetivo da campanha é conscientizar a todos sobre a importância de eliminar o preconceito contra as pessoas com deficiência visual, buscando garantir direitos, acessibilidade e atenção em saúde por meio de políticas públicas que promovam a inclusão dessas pessoas na sociedade.


Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, 3,4% da população do país, com 2 anos ou mais de idade, declararam ter muita dificuldade ou não conseguir enxergar de modo algum. Isso equivale a 6,978 milhões de brasileiros com deficiência visual, afetando 2,7% dos homens e 4,0% das mulheres em todo o país.


A acessibilidade em Juiz de Fora


Um estudo realizado pela Universidade Federal de Sergipe apontou que uma das maiores dificuldades enfrentadas por pessoas cegas ou de baixa visão, é a locomoção no dia a dia. Para superar esses desafios, foram desenvolvidos equipamentos como a bengala e o piso tátil, que auxiliam na orientação em ambientes fechados ou abertos. No entanto, esses dispositivos ainda não conseguem atender e fornecer todo o suporte necessário. Nara Werner, de 44 anos, cega e moradora de Juiz de Fora, destaca que ainda há muito a ser feito para que as ruas ofereçam acessibilidade e facilitem o percurso das com deficiência visual.

Natural de Conceição de Ipanema, Nara reside em Juiz de Fora desde os dois anos de idade, a partir de 1981. Aposentada por invalidez desde 2018, ela descobriu que possuía um tumor cerebral em 2014 e, no ano seguinte, passou por uma cirurgia na qual o tumor, como sequela, provocou a atrofia do nervo ótico, resultando na perda da visão.


Durante os primeiros três anos de sua adaptação, Nara enfrentou diversos desafios. No final de 2018, escolheu integrar a Associação dos Cegos em Juiz de Fora, onde iniciou aulas de informática e locomoção. Porém, antes mesmo de participar das aulas de locomoção, em 2015, por conta própria, ela começou a se adaptar à sua nova condição. Não gostando de depender de outras pessoas, decidiu caminhar sozinha pelas ruas . "Os médicos diziam que eu não enxergava, mas eu não queria acreditar. Daí, minha filha comprou uma bengala para mim." Com isso, ela começou saindo perto de casa, e depois começou a andar sozinha. Para se orientar nas ruas, Nara conta que busca sempre um ponto de referência, como uma parede ou um portão. "E foi assim que eu criei coragem e fui."

FOTO: Arquivo pessoal - Nara Werner é uma mulher cega que atualmente trabalha com acessibilidade na cultura em Juiz de Fora

Quando questionada sobre como ela faz para atravessar as ruas, ela conta que o jeito é esperar um pouco até que apareça alguém oferecendo ajuda para atravessá-la. "No começo foi um pouco complicado, tirando a dificuldade de saber se está passando carro ou não, eu ficava constrangida. Então eu ficava parada na beirada do meio fio, e graças a Deus sempre dei muita sorte, porque sempre chegava alguém que perguntava se eu precisava de ajuda. Eu confio muito no meu ouvido, porque já sei como é o trânsito, mas sempre tive muita sorte de ter alguém para me ajudar por perto."


Na opinião dela, não existem equipamentos que ofereçam um verdadeiro suporte para pessoas cegas e de baixa visão. O ideal, para Nara, seria que existisse uma espécie de sinal sonoro para que as pessoas soubessem a hora de atravessar sem depender de outros, e também que fosse aumentada a quantidade de pisos táteis pela cidade. “O que falta muito são os pisos táteis, mas nos lugares corretos, porque eles ficam na beirada do meio fio, onde os carros passam. Aí, se a gente for seguir por eles, a gente acaba trombando ou com o carro, ou pisando fora do meio fio.” Ela explica que no curso de mobilidade da Associação, as pessoas são ensinadas a andar nos cantos do passeio, e critica: “Mas como você segue no canto de uma rua, por exemplo, na Marechal ou no Calçadão? É quase que impossível andar sozinho.”


Outro ponto levantado por Nara são os buracos pela cidade. “Você pisa e quase fica sem o pé, porque às vezes não dá pra perceber eles com a bengala. Quando vê, já era”, brinca com a situação, lembrando de ocasiões em que caiu e, até mesmo, virou o pé ao andar pelas ruas.


O uso do transporte coletivo partindo dos pontos da Avenida Rio Branco é outro desafio, que ela diz ser 'uma missão quase impossível'. "Alguns ônibus, por exemplo, que param na Getúlio Vargas, são mais fáceis para conseguir pegar. Agora, na Avenida Rio Branco é quase impossível. Se realmente não tiver alguém ali para te assessorar, não tem como, porque eles não têm mais aquele lugar próprio de parar como era antigamente.”


Apesar das dificuldades levantadas sobre a própria locomoção nas ruas, em entrevista ao Portal do ACESSA.COM Nara também destaca que outro desafio é a falta de conscientização da população. Em muitas situações, pessoas e atendentes não sabem como agir quando se deparam com pessoas que possuem cegueira ou baixa visão. Por causa desse fator, Nara considera que deveriam ser feitas mais campanhas de conscientização que ensinem as pessoas a como lidar quando a situação surgir. “A maioria não sabe como tratar a gente e ficam perdidos quando a gente chega nos lugares. Apontam para as coisas ou falam 'vai ali', 'segue a linha amarela', entende? Então, o pessoal é muito despreparado para lidar. E muita gente pega a gente pelo braço e sai puxando. Falta um pouco de aprendizagem das pessoas, mostrando como deveria ser o tratamento. Nós não enxergamos, mas, em relação às outras coisas, a nossa vida é quase normal”, relata.


Por ter conhecimento dos seus direitos, ela conta que luta e faz valer através do seu posicionamento. “Eu brigo, chamo o responsável pelo local e faço valer os meus direitos. Porque se a gente não fala e deixa tudo pra lá, as pessoas não vão se importar.”

 

A acessibilidade na cultura em Juiz de Fora


Na cidade de Juiz de Fora, a cultura tem recebido cada vez mais o olhar da acessibilidade e inclusão. Para pessoas com deficiência visual, exposições, peças e eventos culturais tem aberto espaço para a audiodescrição (AD). Essa função significa a tradução de uma imagem ou vídeo em palavras para que pessoas com deficiência visual, intelectual, idosos e disléxicos tenham uma compreensão completa do que se passa em conteúdos audiovisuais.


Kelly Scoralick, jornalista e audiodescritora, pesquisa sobre pessoas com deficiência desde 2004, quando fazia especialização e se deparou com um professor cego. Na época, ela relata que acreditou que ele não seria capaz, porém ao fim do curso amou as aulas e percebeu que precisava romper com esse preconceito.

FOTO: Arquivo pessoal - Kelly Scoralick

Atualmente ela realiza audiodescrição no cenário cultural de Juiz de Fora. Com o seu olhar sobre a acessibilidade, Kelly acredita que o que é encontrado dentro da cultura para as pessoas com deficiência visual ainda é muito pouco, mas vem crescendo com o tempo: “Muito trabalho vem sendo feito pelos grupos que estão preocupados com a questão da acessibilidade e também por outras leis também que vem, de certa forma, forçando esse lugar, que é um direito de todas as pessoas de terem acesso à cultura e a todos os espaços.”

FOTO: Arquivo pessoal - Kelly Scoralick realizando a áudiodescrição de um debate político na televisão

Ela explica que a audiodescrição pode ser ofertada nas mais variadas formas de cultura, seja no teatro, quando se descreve o enredo, o cenário e personagens, ou em um filme, quando também se descreve cenas e personagens ou como por exemplo em exposições, contando sobre como são as peças expostas e o lugar onde estão.


Para Kelly, a Lei Paulo Gustavo, que foi aprovada a nível municipal e nacional, tem sido significativa. “Já dá para a gente perceber vários projetos obrigatoriamente ofertando acessibilidade. Então a gente acredita que cada vez mais teremos mais cultura acessível para todas as pessoas, incluindo as pessoas com deficiência visual.”


A audiodescritora, que começou a sua jornada em 2015, conheceu Nara enquanto fazia curso de consultoria e audiodescrição. Sobre isso, Nara relata que, atualmente, ela e Kelly trabalham juntas na acessibilidade cultural. “Ela (Kelly) faz um roteiro das programações, e a partir daquilo ela realiza uma áudio-descrição. Eu ajudo ela na questão das palavras, explicando como que a pessoa cega vai conseguir entender o que é determinada coisa. Existem muitas coisas que são difíceis de descrever, então para alguém que já enxergou é mais fácil ter uma noção (das descrições).”


Como principais carências encontradas nesse meio, Kelly sente falta de oportunidade de lazer. “Quando fizemos o Miss Brasil Gay, em 2019, lembro que uma das pessoas que acompanhou a AD disse como sentia falta daquele espaço, que pudesse acompanhar e entender tudo que estava acontecendo”, relata. Ela acredita que o que realmente falta é o rompimento com o preconceito, deixando o capacitismo de lado para entender que as pessoas com deficiência visual são capazes do que quiserem. “Cabe a nós deixar o mundo acessível para que possam realizar suas atividades com autonomia [...] Mudando o pensamento e ofertando tecnologia assistiva muita coisa irá mudar!”

FOTO: Arquivo pessoal - Kelly Scoralick e Nara Werner no carnaval da associação dos cegos em 2022

No meio da AD, existe um equipamento considerado o ideal para a audiodescrição, de acordo com Nara Werner. Porém, o custo é alto e “a maioria das pessoas não se interessam em colocar nos eventos”. Nesse equipamento, o ouvinte utilizaria um fone de ouvido enquanto a audiodescritora realiza a descrição do evento. Dessa maneira, pessoas com deficiência visual poderiam ter acesso a qualquer tipo de evento.

 

Projetos em Juiz de Fora


Em 2024, Juiz de Fora já tem dois eventos na agenda que vão receber a AD. Segundo Kelly Scoralick, eles foram aprovados através da Lei de Incentivo à Cultura e estão sendo feitos por produtores locais. No primeiro, através da Lei Paulo Gustavo, será realizada uma oficina de fotografia para pessoas surdas, onde haverá uma visita guiada para pessoas cegas.


Já no segundo, será realizada a audiodescrição do livro infantil contemplado em dois editais: Quilombagens e O Bicho Pegou.


Mais detalhes serão divulgados no próximo ano.

Taras_chaban - Pessoa cega andando com o auxílio de uma bengala na rua.

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