Atrás da verticalidade intimidadora dos muros acinzentados e da aparência hostil reforçada pela concertina que serpenteia com suas pontas afiadas e ameaçadoras o perímetro de todo o espaço do Centro Socioeducativo de Juiz de Fora o clima é completamente contrastante.

O som do Hip-Hop, as palmas e gritos de comemoração, o barulho do impacto da bola ao tocar o chão, os passos de dança, a troca de ideias durante a entrega do certificado de formação dos adolescentes em cursos profissionalizantes e dos espaços reformados pelo Projeto “Pintando o Bem”, nessa quinta-feira (21), foram alguns dos signos que mostraram o envolvimento dos jovens e maneira como eles acolheram as oportunidades que foram oferecidas. Além de apontar uma possibilidade de caminho importante para a Segurança Pública, que passa pela capacitação e destinação das pessoas privadas de liberdade para o mercado de trabalho.

Em sua quinta edição, o Projeto “Pintando o Bem” encarou a responsabilidade de transformar dois ambientes significativos dentro do Centro Socioeducativo, que acolhe adolescentes infratores, oferecendo capacitação. “Apesar de trabalhar com a profissionalização no mercado de trabalho, foi novo para mim como experiência ensinar para eles do zero . Esses jovens têm uma capacidade de aprendizado muito grande, proatividade, boa vontade. Entendo que a construção civil tem muitas áreas que poderiam atuar dentro dessas unidades. Espero que esse projeto consiga trazer esse olhar e ampliar essas oportunidades”, conta o idealizador do projeto, Leonardo Alves. No caso do curso de pintura, foram 10h totais de lições divididas em duas turmas com 10 alunos, de 15, 16 e 17 anos.

Para o diretor geral da Unidade, Emerson Rocha Ferreira, antes de tudo, é preciso que a sociedade passe a encarar os adolescentes e o trabalho que é realizado no espaço com outro olhar, assim como todos os parceiros nos projetos se dispuseram a fazer. “A sociedade passa por fora da muralha, só tem a visão da muralha e das concertinas, então, não conhece o trabalho que é feito aqui. Esses projetos e investimentos, abrem as portas para que a sociedade conheça o trabalho que é feito aqui e isso mostra que todos têm oportunidade de mudar. A mudança está nas pessoas. O que fazemos aqui é oferecer a oportunidade da mudança. Mas quem vai fazer isso são eles mesmos”, diz.

“Não saio o mesmo que eu entrei daqui. É uma visão mais leve do mundo. Acho que a lei no país já existe e ela diz que a pessoa que cometeu um crime deve perder a liberdade, ficar reclusa. Eles estão cumprindo uma pena. Acharmos que quem cometeu um crime precisa ser castigado é querer algo que está fora da lei. Sei que é polêmico. Mas se pensássemos em oferecer mais oportunidades, poderíamos avançar e alcançarmos resultados bem melhores”, reflete Leonardo.

“Eles trabalharam na preparação de superfícies, na solução em pinturas e aprenderam sistemas de pinturas mecanizadas, que é o que há de mais moderno no mercado no momento. Para tudo estar preparado e bonito para o Stain (Felipe Stain, artista plástico e articulador cultural) fazer a arte dele, precisamos preparar tudo e eles estiveram presentes em todas as etapas”, detalhou Leonardo. A quadra ganhou a figura de meninos que jogam basquete e futebol, com cores vivas, que saltam, driblam e são capazes de transportar as pessoas para outras realidades.

Assim como a sala de visitas, que ganhou outras cores, tons de intimidade, aconchego e humanização. “Queríamos que eles e as famílias, nesse encontro, sentissem leveza nesse espaço, mesmo em reclusão”. E para concretizar algo com esse intuito, segundo Leonardo, o primeiro passo, é colocar no papel. “Redigir, estruturar e apresentar para conseguir parceiros. Eu não tive dificuldades, porque o projeto tem um propósito claro, sabíamos o que íamos fazer e quanto gastaríamos. Comece, não precisa ser grande. Quero devolver para Juiz de Fora, onde construí minha história, um pouco do que eu recebi, para que todos tenham acesso à cor, à arte”. O próximo local a receber o pintando o bem será escolhido por meio da página do projeto e o público poderá participar da definição do espaço, além de conhecer todos os parceiros e envolvidos na iniciativa.


“Visibilidade, Conhecimento e Afeto”


Nos últimos dois meses, o Centro Socioeducativo de Juiz de Fora formou 40 jovens nos cursos de panificação e pizzaiolo, oferecido em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), e outros 20 jovens formados em pintura por meio do Colorindo o Bem. “Eu costumo falar que o investimento é em segurança pública. Se você consegue trazer esse menino para o mercado de trabalho, tirando do meio da criminalidade, está investindo em segurança pública. Temos feito um esforço muito grande para conseguir essas parcerias e elas têm sido muito importantes.”

FOTO: Renan Ribeiro - Solenidade de entrega dos certificados dos cursos profissionalizantes


Um dos adolescentes que se formou no curso de panificação e pizzaiolo terá a identidade preservada conta que aprendeu lições que vão muito além de receitas e proporção de ingredientes. “Não podemos brincar na área de trabalho. Vou levar tudo para o resto da minha vida. Posso sair daqui e trabalhar. Aprendi coisas que eu nem tinha ideia que ia saber um dia. Fazer pizza é muito bom. Quando eu sair, quero ficar quieto, esperar minha mãe do serviço com uma pizza pronta, para surpreendê-la”.

A articulação, como frisou a secretária de Segurança Urbana e Cidadania, Letícia Paiva Delgado, não é simples, mas tem resultados que são muito importantes. Eles alcançam objetivos centrais que são dar visibilidade, humanidade e cidadania às pessoas que estão temporariamente em situação de privação de liberdade. “Demanda uma ação da Prefeitura, do Estado, do Sistema Socioeducativo, que é, tradicionalmente, mais fechado, a obtenção de recursos, via emenda parlamentar. A oportunidade traz a tranquilidade para o espaço. A visibilidade, o conhecimento e o afeto são os meios para combater o preconceito. Eu não vejo outra forma. É o diálogo que buscamos fazer de maneira mais estruturada com as forças de segurança, mostrando que estamos aqui para colaborar. E tem sido muito produtivo”, avalia.

Letícia afirma que a expectativa é a de que o projeto seja perene e forme mais adolescente do Centro Socioeducativo em 2024, com a possibilidade de crescer e projetar a indicação de vagas de trabalho para aqueles que já estiverem próximos de deixar o sistema. Durante a fala dela no evento, a secretária afirmou que a partir de janeiro, a ideia é que os cursos profissionalizantes comecem também na Penitenciária José Edson Cavalieri. 

A vereadora Laiz Perrut (PT) destinou emenda parlamentar para custear o curso no Centro Socioeducativo e  comemorou o resultado . “Ficamos sabendo que um dos meninos que vai sair entre janeiro e fevereiro já está com emprego garantido em panificação. Isso é muito gratificante e muito importante. Precisamos dar oportunidades porque pensar nesse passo é pensar em segurança”.

Escutar e sentir


“Vontade de fazer e coração aberto para achar os caminhos” foi o que guiou o projeto, conta a arquiteta Luiza Vianna. Para ela, a experiência reforça a necessidade de escuta, de estar aberto e buscar soluções, do que chegar com algo pronto. “Todo mundo pode contribuir de alguma forma. A gente fica esperando uma oportunidade, ou que alguém faz alguma coisa e não entende que todo mundo pode fazer um pouco”, completou a arquiteta Flávia Buzzinari, que também participou da elaboração da mudança da quadra e da sala de visitas.

FOTO: Renan Ribeiro - Sala de visitas revitalizada para ser o elo de ligação dos jovens com a sociedade


“Ficamos bem impressionadas desde a primeira visita. É muito bem cuidado. A manutenção é muito bem-feita. Tentamos acolher o máximo de pessoas. Escolhemos a quadra por ser o lugar preferido dos meninos, onde eles se expressam, colocam a energia para fora e onde o Stain poderia comunicar melhor a arte dele, que é uma arte de rua que conversa muito com eles, com a juventude. E a sala de visitas que é o ponto de contato deles com a sociedade. Ponto de referência, mãe, irmãos, pessoas que precisam ser acolhidas”, detalhou Luiza.

“Os agentes se dedicam para que eles saiam com capacidade e dignidade e isso passa pelo espaço. Quando conseguimos proporcionar um pouco dessa ideia de que eles têm direitos, que são acompanhados de deveres, a gente consegue trazer esse recorte que dá outro olhar para a vida depois daqui”, pontua Flávia.
O artista plástico, articulador cultural e grafiteiro, Felipe Stain, trabalhou com os adolescentes do Centro Socioeducativo durante 15 dias. Stain conta que atuava junto a grupos de jovens que estavam prestes a deixar o Centro Socioeducativo. Essa foi uma oportunidade para ter contato com os que ficam mais reclusos.

“Eu fiquei emocionado com as histórias, o contato é muito enriquecedor. Eu me esqueci do porquê de eles estarem aqui. São meninos bons, com conhecimento, trocam de igual para igual. Durante meu processo, estou sempre escutando música, houve uma troca de gostos musicais, eles são muito prestativos, conseguem desenvolver o trabalho com facilidade. Trabalhamos com o graffiti, da street art, para cá, como boa parte deles vem de territórios periféricos, entendi que eles se sentiriam mais livres em participar, porque é uma cultura jovem, que conversa mais com eles.” O diretor geral da unidade, Emerson Rocha Ferreira, reitera que os espaços revitalizados humanizam os jovens. “Traz um aconchego e torna o lugar mais sociável”. 

Acessa.com/Renan Ribeiro - Base do espaço foi preparada pelos próprios adolescentes com base nos conhecimentos adquiridos no curso

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