Horas após o Japão ser massacrado pelos EUA durante a Segunda Guerra, o piloto kamikaze Shikishima, que abandona sua missão, foge para uma ilha onde encontra um grupo de soldados, que é massacrado por uma criatura gigante, ao se ver paralisado diante do monstro e não conseguir salvar seus companheiros. Dois anos depois, ainda tentando lidar com seus traumas, ao refazer sua vida, o jovem descobre que o monstro está de volta, colocando em risco novamente toda a população japonesa.

O novo filme de um dos monstros mais famosos do cinema, poderia vir carregado de repetições e mesmices. Mas engana-se quem pensa que esse é só mais um filme de terror e ficção. Embora funcione como um prequel do Godzilla Original, Minus One carrega uma história densa e pesadíssima, sobre o pós-guerra que o Japão enfrentou depois das bombas atômicas, fugindo de sua trivialidade pop cultural. Isso porque, para quem conhece a história, fica evidente na construção da trama, o receio que o Governo japonês assume diante da “colonização americana” do território asiático, em que a Rússia começa a querer ocupar espaços e um possível conflito poderia resultar numa devastação ainda maior para o país oriental.

E tudo isso é demonstrado de forma alegórica, porque, embora a crítica política, seja ela direcionada ao totalitarismo americano e soviético, seja pela negligência autoritarista do governo japonês, o roteiro cria uma alegoria ainda mais impressionante ao colocar em evidência, um monstro como o pior resultado da Segunda Guerra Mundial. O roteiro, brilhantemente funciona como uma ópera metafórica, colocando um personagem cheio de camadas como protagonista, permitindo de imediato, que o espectador queira torcer pela humanidade, ou pelo menos, de parte dela, o que sabemos ser quase impossível nas tramas já existentes do “lagarto gigante”.

E o personagem é o ponto mais dramático da trama, uma vez que ao tentar lidar com o peso da culpa, da raiva, do desejo de vingança e reparação, ele se aproxima dos traumas cotidianos de uma pessoa que tenta lidar com o sofrimento da perda, do fracasso, da insegurança, do medo e da depressão, refletindo como a morte para alguns, funciona como tábua de salvação. E é nesse ponto que a história choca, emociona, faz refletir de forma crescente, como uma guerra, por mais pequena que seja, imerge numa angústia pessoal, até que emerge para as mazelas coletivas.

Outro ponto ainda mais brilhante e que difere dos outros longas, é que aqui, Godzilla é exposto categoricamente como vilão, ao passo que ele é de tudo, o futuro incerto e a desolação sem precedentes que permeou os ataques a Hiroshima e Nagasaki, visto que até hoje, aquelas cidades sofrem com a radiação causada pelas bombas.

E tudo isso, foi perfeitamente arquitetado pela mente fascinante de Takashi Yamazaki, que consegue desenvolver a narrativa de forma coesa, bem amarrada, que, embora criando arcos previsíveis, deixa o espectador ansioso para ver o desfecho. E com um orçamento baixíssimo, consegue efeitos visuais tão impressionantes, que é impossível não dizer que Minus One é CINEMA DE VERDADE.

Godzilla Minus One, é a melhor obra já criada sobre a mais famosa criatura japonesa, com uma história densa, daquelas de deixar o espectador refletindo por muito tempo, podendo ser considerado um dos melhores (senão o melhor) filme de 2023, que vale muito a pena ser visto nos cinemas!

Nota: 10

Reprodução / Internet - Godzilla minus one

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Clayton Inacio da Silva

Séries e Filmes

É advogado empresarial e crítico de cinema. No campo jurídico, atua na esfera administrativa, cível e consumerista, além de elaboração e análise de contratos públicos e privados. Como crítico, analisa e comenta filmes de todos os gêneros, que são lançados no cinema e em plataforma de streaming, além de análises de séries, minisséries, animações e documentários, dando ao público uma pequena dimensão sobre a relevância de cada obra com foco em despertar o interesse pela arte e incentivando à cultura.

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