SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Um milagre." É como "Fausto na Travessia Brasileira", novo espetáculo do Oficina, é celebrado nos bastidores da montagem que chega nesta sexta (12) ao Teatro do Sesc Pinheiros. São dez atores, uma banda de sete músicos e mais de 30 pessoas na produção da versão de Zé Celso Martinez Corrêa e Fernando de Carvalho para o mito do médico alemão que faz um pacto com o diabo.
Ancestral, o mito foi passado entre as gerações por meio da oralidade até ganhar um primeiro registro no final do século 16, pelo dramaturgo britânico Christopher Marlowe. Foi então reinterpretado por autores como os alemães Thomas Mann e Goethe, que transformaram a história em uma das peças mais celebradas da dramaturgia ocidental.
Mas é a versão completamente reinventada de Marlowe que entra em cena em São Paulo. "É diferente, uma adaptação muito corajosa no aqui e agora", afirma o veterano Zé Celso, que, aos 85 anos, estabeleceu uma parceria com o jovem dramaturgo e diretor brasiliense Fernando de Carvalho, egresso do coletivo Liquidificador.
"Foi um trabalho milagroso, porque ele é todo em rima, virou uma espécie de opereta, é um musical sem ser musical, mas tem música ao vivo, todo mundo canta, tem muitas cenas fortes, mas muitas coisas engraçadas", diz o pajé do Oficina.
Em plena produção, o artista encenou nos últimos anos obras como "Paranoia", um tratado do período pandêmico, e recuperou títulos clássicos, como "Esperando Godot" e "Roda Viva". "Fausto", contudo, não estava em seus planos. "Zé caiu de paraquedas nessa produção", diz Ricardo Bittencourt, idealizador e estrela da montagem.
"Bete Coelho e Contardo Calligaris me apresentaram esse texto há dez anos, e tive o desejo de montar. Mas entre o desejo e a realização, acontece uma vida. O milagre, nesse caso, é conseguir montar. Havia todo um projeto, mas de repente chegou Zé, chegaram o Oficina, Fernando, Leona, e aqui estamos nessa realização milagrosa", conta.
Embora baseado em uma obra medieval, "Fausto na Travessia Brasileira" atualiza o mito, no que Bittencourt acredita ser a melhor versão da história. "É mais afiado. O Zé resolve questões da Idade Média que hoje já não cabiam, como a briga entre bem e mal, a relação com Deus... No original, ele morre porque fez um pacto, aqui ele encontra um jeito de se salvar, porque Deus e Diabo estão dentro dele, essa é a genialidade da adaptação."
Não são apenas as questões existenciais que atualizam a montagem. Zé Celso buscou lembranças das origens do Teatro Oficina, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, para concentrar os 24 anos que Fausto ainda tem de vida após o pacto com Mefistófeles. O autor faz conexões entre a morte de Getúlio Vargas, em 1954, atrasando o golpe de Estado que estouraria dez anos depois, e a Carta pela Democracia, que ganhou leitura na manhã de quinta (11).
"Os atores vêm da manifestação, trazendo a informação do que está acontecendo para o Fausto, fazendo relação com o golpe que Getúlio, com o tiro no peito, segurou, e foi importante para a minha geração, porque sem isso não haveria bossa nova, Teatro Oficina, cinema novo", afirma o diretor, que faz ainda uma relação do espetáculo com o metaverso e com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
"Ela vive dizendo que a esquerda é o Diabo, essa mulher tem uma visão medieval do mundo. Nós devolvemos a bola, porque o Diabo é muito contemporâneo. O mito do inferno mostra um lugar de muito sofrimento, onde falta tudo, isso é o próprio Brasil, é esse inferno que vivemos nesses últimos quatro anos", diz.
"Tudo se conecta porque Fausto busca esse pacto porque deseja um conhecimento exagerado, ele quer saber mais e mais. O Brasil é isso hoje. As pessoas querem saber menos, mas há excesso de informação, e nós somos bombardeados o tempo todo", conceitua Carvalho.
Traduzida e adaptada em 20 dias, a montagem promove ainda o reencontro de Zé Celso com Leona Cavalli, que estreou nos palcos na pele da jovem Ofélia, na visão do diretor para "Hamlet", em 1993. A atriz dá vida a Mefistófeles, responsável pelos acordos que resultam na venda das almas humanas.
"Ele está no inconsciente coletivo, um ser andrógino que geralmente leem como um homem mau", diz a atriz. "Eu não acho que seja assim. Ele tem uma função, e se a ação é determinada para o mal, ele faz. E como é Fausto quem busca o pacto, a responsabilidade é dele. É o ser humano. Esse lugar que me interessa, o de cada um lidar com sua própria culpa."
Ela comenta ainda o fato de retomar sua parceria com o encenador.
"Vivi coisas incríveis lá dentro, então há esse sabor emocional de voltar a trabalhar com o Zé, ainda mais nesse espetáculo em que ele adapta questões que são muito importantes, como essa relação medieval com Deus e o Diabo. Se você perguntar o que as pessoas querem para o mundo, todos dirão coisas maravilhosas, paz, amor, harmonia, então por que o mundo está do jeito que está? É o que o Zé traz".
FAUSTO
Quando 12 de agosto a 11 de setembro
Onde Teatro do Sesc Pinheiros
Preço R$ 20,00 (meia) a R$ 40,00 (inteira)
Classificação 16 anos
Elenco Leona Cavalli, Ricardo Bittencourt, Marcelo Drummond e outros
Direção Zé Celso Martinez Corrêa e Fernando de Carvalho
Duração 150 min
Horário 20h (sexta e sábado); 18h (domingo)
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