SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os fãs de Barry Windsor-Smith esperaram um bocado para ler "Monstros". Foram 35 anos de paciência. Esse artista britânico levou o tempo que quis, entre um trabalho e outro. Só no ano passado é que a HQ saiu nos Estados Unidos. Mas logo ficou claro por que ele não tinha pressa.
O volume, que chega agora ao Brasil pela editora Todavia, transpira esmero tanto no texto quanto nos desenhos --uma conjunção de talentos que nem todo quadrinista contemporâneo tem. Dessa forma, não foi uma grande surpresa quando "Monstros" venceu o Eisner, o Oscar das HQs, em três categorias diferentes --melhor álbum gráfico inédito, melhor roteirista ou artista e melhor letrista.
O lendário Windsor-Smith, de 73 anos, vem do mundo das revistinhas de super-heróis. Nos anos 1980, trabalhou para a Marvel. Seu último grande trabalho ali foi "Arma X", de 1991, sobre os experimentos que transformaram o mutante Wolverine, dos X-Men, em uma máquina mortífera.
Mas Windsor-Smith é conhecido por suas desavenças com as HQs de massa. Foi se dedicando a trabalhos autorais, com longos intervalos entre cada um. Fazia 16 anos que ele não publicava nada.
"Monstros" é uma ideia que ele teve nos anos 1980 para um gibi do Hulk. A HQ conta a história de um experimento nazista feito nos Estados Unidos para criar um super-soldado. Os panos de fundo são a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã. O experimento degringola e deforma o jovem Bobby, dando a ele uma força descomunal.
Como uma câmara de eco, a HQ repete --e talvez aprimore-- alguns dos temas caros aos gibis de super-heróis. A ideia de construir um super-soldado lembra o Capitão América. A crueldade dos cientistas e o sofrimento da vítima de seus experimentos são temas centrais nos gibis do Wolverine. A deformação do corpo humano é um dos traços do Coisa e do Hulk.
Um dos sinais do gênio de Windsor-Smith é como ele frustra a expectativa dos leitores. Bobby pode até ter um aspecto monstruoso, mas ele não é o monstro do título. As feras são, na verdade, os outros. E são muitas, a começar pelo cientista nazista e pelo pai abusivo do rapaz.
Mas mesmo a monstruosidade do pai de Bobby aparece em camadas no gibi. As nuances são provavelmente um resultado das décadas que Windsor-Smith passou pensando na trama. O progenitor é também uma vítima, afinal. Seu caráter resulta da experiência na guerra, em circunstâncias que não estavam sob o seu controle. Não que isso o exima, mas ajuda a explicar o personagem.
"Monstros" é uma história social, no sentido de que o autor lida com a maneira como indivíduos vivem as grandes transformações estruturais de suas sociedades. Quando chega à última página, o leitor conhece melhor os Estados Unidos da metade do século 20, marcado pelo racismo, pela desigualdade de classes e também por ideais inatingíveis de felicidade familiar.
Dito tudo isso, "Monstros" é também um triunfo estético. As cenas são tão trabalhadas que dá para acreditar mesmo que Windsor-Smith passou anos e anos em cada quadrinho. O artista sombreia cada detalhe com um tipo de hachura diferente, criando texturas complexas. O cabelo dos personagens, o pelo eriçado nos seus braços, tudo vai ganhando vida com o nanquim.
É também nas ilustrações que Windsor-Smith acena a seu passado no mundo dos gibis de super-heróis. Em diversos trechos, é possível ver revistinhas nas mãos dos personagens ou largadas em algum lugar da casa --são HQs do Batman, do Superman, do Capitão América e de outros clássicos do gênero.
Talvez o único porém do livro seja a quantidade de texto, que às vezes cansa os olhos. Há trechos narrados por diários com letra de mão, a ser decifrada pelo leitor. Fica aquela vontade de virar a página logo, de ver a trama avançar.
Mas esses trechos mais pesados passam rápido, e a estafa é curada pelas ilustrações que vêm na sequência e pela sensibilidade do artista. O chato mesmo vai ser esperar outros 35 anos pelo próximo grande trabalho de Windsor-Smith.
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