VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Com dois Oscars de melhor direção na prateleira, o mexicano Alejandro G. Iñarritu se firmou inquestionavelmente como um dos nomes mais reverenciados no primeiro escalão de Hollywood. Mas ele parece ter chegado a um ponto da carreira em que, apesar do sucesso internacional, sente falta de falar mais de perto ao seu país de origem, de questões específicas sobre o México.
Isso fica claro em seu novo projeto, "Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades", que o cineasta apresentou nesta quinta (1º) no Festival de Veneza.
A produção da Netflix mostra Silverio Gama, um bem-sucedido jornalista e diretor de documentários mexicano que decide ir trabalhar nos EUA, com a perspectiva de ter mais liberdade na carreira. Ele retorna ao México para receber um prêmio pela sua trajetória, reencontrando não só amigos e parentes como também um povo e um país de cujos problemas ele lamenta ter se distanciado -apesar do alívio que isso também lhe trouxe.
Ou seja, de maneira levemente camuflada, é Iñárritu falando de si, de sua própria carreira de êxito abordando questões americanas, em filmes como "Birdman", de 2014, e "O Regresso", de 2015, sendo que seu país de origem está logo ali, perecendo em uma crise social e econômica gigantesca.
"Em setembro de 2001, fui morar com minha família em Los Angeles. Foi uma grande ilusão, [tínhamos] muitos sonhos, esse foi um evento fundamental para o filme existir", explicou Iñárritu à imprensa de Veneza. O longa, para ele, é "uma reinterpretação emocional" desse episódio. "O México é mais que um país: é um estado mental para mim", disse o cineasta.
O filme tem três horas de pura expiação de culpa. Vemos Gama se relembrar de momentos da infância e interagir com familiares, amigos, antepassados e populares de sua terra natal -em imagens de registro mais realista, sobretudo em cenas de natureza onírica, fantasiosa.
Em muitas delas, o cineasta aproveita para mostrar todo o seu virtuosismo estético, com planos-sequência de difícil execução e ideias visuais espalhafatosas. Mas, entre uma cena desnecessariamente pavoneada aqui e outra acolá, em geral o filme preserva sua essência de obra de um artista em crise. No caso, não só criativa -a produção se assemelha, de certa forma, ao "Oito e Meio" de Federico Fellini- mas também de consciência diante de sua própria relevância no mundo.
É um filme bem bonito em seu espírito confessional, mais até que nos aspectos estéticos -embora Iñárritu consiga algumas sequências de fato marcantes, como quando Gama dança ao som de "Let's Dance", de David Bowie, cantada a capella.
Mas há um excesso de cenas que apenas reiteram as mesmas ideias -o sofrimento dos mexicanos que tentam imigrar, as conflituosas relações entre México e EUA, o remorso do artista que abandonou um país e pessoas queridas em nome da profissão. Em vez de três horas, tudo poderia ter sido facilmente resolvido em uma hora e meia.
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