FOLHAPRESS - Talvez se Neo, personagem de Keanu Reeves em "The Matrix", não tivesse optado pela pílula vermelha que desvendava a verdade sobre sua existência, seria tudo diferente para "Não se Preocupe, Querida".

Ou se Truman, personagem de Jim Carrey em "O Show de Truman", não tivesse aberto a porta do estúdio e descoberto que sua vida era um reality show, o destino do filme de Olivia Wilde seria outro.

Pelo menos se "Mulheres Perfeitas" não tivesse sido filmado em 1975 e refilmado em 2004, a sorte deste longa seria outra.

Ou se os bastidores das filmagens não tivessem virado assunto por causa das mil confusões entre a diretora e a protagonista, a diretora e o ex-ator principal e, principalmente, o romance entre a diretora e o ator que entrou no lugar, esta crítica, pelo menos, teria outro começo.

As fofocas chegaram ao ápice no começo deste mês, quando o filme foi apresentado no Festival de Veneza, e Florence Pugh, a atriz principal, não participou da entrevista coletiva, mas surgiu linda e loira no tapete vermelho. Teve até fake news. Harry Styles, que tem o maior papel masculino, teria cuspido na cara de Chris Pine, que tem o segundo papel masculino mais importante.

Como se o cantor fosse interromper a volta ao mundo que faz com a turnê "Love on Tour", lotada em todos os lugares por que passa, com shows no Brasil em dezembro, para ir até Veneza, na Itália, agredir publicamente seu colega de elenco. Os dois negaram a história em seguida.

Por outro lado, talvez ninguém tivesse ouvido falar do longa-metragem de duas horas. Se bem que isso é improvável, já que o trailer de "Não se Preocupe, Querida", lindo, sexy e cheio de suspense, foi lançado no mesmo mês que o novo álbum de Styles, "Harry's House", em maio deste ano. Não deve ter sido coincidência. Harry Styles é, hoje, possivelmente o cantor com maior quantidade de fãs no mundo pop. A música do trailer, aliás, foi composta por ele, e é cantada pela protagonista da trama.

Ao filme, então. Antes de tudo, um alerta -este texto terá spoilers. Nada grave, o mesmo spoiler que o próprio trailer revela. Há outras surpresas no filme, que não vão ser delatadas aqui. Portanto, sem chiliques, por favor. Leia se quiser e não use esta crítica como desculpa para não ver o filme no cinema.

Florence Pugh, a atriz britânica de 26 anos revelada para o mundo em "Adoráveis Mulheres", a última adaptação para o cinema do romance "Mulherzinhas", de Louisa May Alcott, é uma dona de casa dos anos 1950 conformada com seu estilo de vida singelo e ordeiro, num bairro sofisticado chamado Victory, vitória, em inglês, de uma cidade que nunca é nomeada, e apaixonada por seu marido, Jack, papel de Harry Styles, de 28 anos.

Os dois formam um daqueles casais que todo mundo gostaria de fazer parte, que não acham nunca ninguém mais interessante que o outro. Que transam loucamente em qualquer situação e trocam qualquer programa para ficarem juntos. Além disso, moram numa casa incrível, têm um carro triscando de novo, se vestem sempre na maior estica e não têm filhos.

Os vizinhos só não morrem de inveja deles porque todos levam vidas muito parecidas, com exceção dos filhos, que os outros casais têm. São jovens, lindos, todos os maridos trabalham na mesma empresa, num projeto misterioso, têm o mesmo tipo de casa, carro, roupas e mulheres. Uma delas é a arrojada Bunny, papel de Olivia Wilde.

Elas fazem o trabalho doméstico, compras, aulas de balé clássico e tomam drinques na beira da piscina no fim da tarde, com o jantar pronto esperando a chegada dos homens. Mas alguma coisa está fora da ordem. E Alice começa a perceber os sinais.

Uma das vizinhas está obviamente deprimida e tanto seu marido quanto o médico que atende as famílias dali, papel de Timothy Simons -o bobão Jonah, da série "Veep"-, se recusam a responder o que ela tem. Uma tarde, Alice vê a vizinha em cima de um telhado, e quando chama sua atenção e oferece ajuda, ela olha para Alice e, com uma navalha na mão, abre um talho em seu pescoço e cai no chão, ensanguentada.

Homens vestidos de macacões vermelhos surgem rapidamente e desaparecem com o corpo da vizinha antes que Alice consiga se aproximar da cena. E ninguém dá uma resposta definitiva a respeito do que aconteceu com ela. Nem seu marido, nem suas amigas, nem o criador do projeto Victory, o misterioso Frank, papel de Chris Pine.

Alice vai ficando mais e mais aflita conforme percebe que todo mundo parece saber alguma coisa que ela não sabe sobre esse lugar onde moram e esse projeto em que os homens trabalham. E os indícios que ela percebe vão ficando mais e mais evidentes, até que um dia ela quebra a regra número um dos habitantes de Victory, desce do ônibus e sai do bairro planejado, andando a pé no deserto da Califórnia que o rodeia, até a sede sinistra da empresa.

As imagens de "Não se Preocupe, Querida", além da presença inspirada e inspiradora de Pugh, são os pontos fortes do filme, que é lindo. Todos os detalhes são caprichadíssimos, desde as cores dos carros até os móveis das casas, as roupas dos personagens, os cenários, os cabelos, as danças, é tudo incrível de olhar. As cenas são bem dirigidas e provam que Olivia Wilde sabe o que faz quando está por trás das câmeras, pelo menos na parte visual dessa mídia.

E Harry Styles canta e dança, para alívio de meio mundo. É uma cena desesperadora, mas na qual ele mostra o que pode fazer. De resto, não parece ser no cinema que ele faz o que faz melhor. Styles estreou como ator em "Dunkirk", lançado por Christopher Nolan em 2017, em que passou quase despercebido.

O que não é extraordinário aqui é o desfecho da trama. Não é exatamente a previsibilidade que incomoda. Qualquer pessoa que já desfrutou de uma boa comédia romântica sabe que o final ser previsível não estraga a experiência. O problema é que os grandes temas por trás do desfecho, que poderiam até ser novidade na época em que a história se passa, são velhos conhecidos da nossa era.


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