FOLHAPRESS - A primeira cena de "A Mulher Rei" acontece no escuro. É nesse ambiente furtivo que vemos pela primeira vez o famoso e histórico grupo das guerreiras africanas. Elas eram uma tropa formada apenas por mulheres, que existia dentro da guarda do reino de Daomé -onde atualmente é o Benim. Existiram, na realidade, até o início do século 20.
No longa, as mulheres, comandadas por Nanisca, interpretada por Viola Davis, atacam uma tribo que havia sido saqueada pelo reinado de Oyó, inimigos, mas controladores de todo o território. A briga é a faísca final para o conflito entre as duas comunidades.
Nesse meio tempo, o filme dirigido por Gina Prince-Bythewood perpassa por alguns outros núcleos. O principal deles é o de Nawi, que é feita com imenso destaque e expressividade pela jovem Thuso Mbedu. Depois de tentativas frustradas de arranjar um marido para ela, seus pais a põem a serviço do rei Ghezo, papel de John Boyega, para se tornar uma das guerreiras.
Nawi representa o grande ponto temático que o longa vai propor no decorrer das suas mais de duas horas -os embates entre o passado e o futuro, entre a tradição e a modernidade. Enquanto Daomé é um reino extremamente tradicionalista, seja pelos rituais, pelo lado patriarcal, pela subjugação das mulheres, por outro lado é também um ambiente possível para existir um grupo de guerreiras independentes.
Dessa forma, a jovem menina é a tentativa de trazer uma modernidade para esse local de treinamento altamente regrado e hierárquico, criticando as ordens e até flertando com homens do Exército, sendo rebatida sempre.
Outro cenário que essa discussão habita é no grande conflito que permeia toda a história. Enquanto Daomé busca acabar com o ciclo vicioso de escravizar outros povos africanos para vender aos europeus ou americanos, Oyó vê nessa política uma ótima oportunidade de um lucro contínuo.
Apesar disso, o grande problema de "A Mulher Rei" é como a encenação vai lidar com esse debate. Aliás, esse tema remete muito a um dos clássicos do cinema africano, "A Viagem da Hiena", de 1973. Se, por um lado, busca criticar os problemas da tradição -como nas interpretações estereotipadas e exageradas das mulheres do rei, por exemplo-, por outro também reforça o papel tradicional dessa comunidade -pelo fato de as mulheres não terem direitos.
É como se, apesar de tudo, sempre o mundo retornasse a uma estaca zero. Mesmo com as tentativas, as mulheres continuam não tendo espaço nesse reino.
Prince-Bythewood chega a tentar definir através da direção para qual lado da dicotomia apresentada o longa será direcionado. Contudo, parece, a todo instante, nunca conseguir realmente escolher algum caminho. Nem um retorno completo ao passado de inferioridade de alguns grupos, nem ao futuro dominado pelas mulheres.
Esse meio-termo aparece de forma nítida em como a escravidão está dentro da trama. Ela é criticada e incômoda quando aparece, por óbvio, porém, é nesse núcleo que está Jordan Bolger, intérprete de Malik. O personagem é brasileiro, filho de uma mulher africana com um pai europeu, e retorna para o continente atrás de conhecer Daomé.
Contudo, ele vira uma espécie de par romântico de Nawi e o grande "salvador da pátria" em diversos momentos -sendo que chegou à África com um amigo escravista. Ou seja, ao mesmo tempo que seria uma figura "inovadora" para esse local, é também alguém que representa uma das protagonistas presas à tradição e a todo o passado colonial.
Mesmo assim, "A Mulher Rei" ainda é um filme que tem a sua carga de importância exterior ao exibido em tela. Com um orçamento de US$ 50 milhões, a obra consegue cumprir o objetivo de atingir um público diverso -não apenas chegar às mulheres e meninas negras que podem se ver representadas, mas também aos fãs de longas como "Gladiador" e "Mad Max". O quesito diversão dele é o grande objetivo de "A Mulher Rei", que quer ser, acima de qualquer coisa, um entretenimento importante.
A MULHER REI
Avaliação Bom
Quando Estreia nesta quinta (22), nos cinemas
Classificação A definir
Elenco Viola Davis, Lashana Lynch e John Boyega
Produção EUA, Canadá, 2022
Direção Gina Prince-Bythewood
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