SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Viver está se tornando um exercício a cada dia mais sórdido. O diretor sueco Ruben Östlund bem sabe que o Ocidente virou uma junta de países a ser evitada. Por isso, o público se identifica com sua obra, e o cineasta se empapuça de prêmios. Ele arrematou duas vezes a Palma de Ouro do Festival de Cannes num intervalo de quatro anos. Primeiro, com "The Square: A Arte da Discórdia", de 2017, depois com "Triângulo da Tristeza", agora exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O filme acompanha as inquietações de um modelo, interpretado por Harris Dickinson, e sua namorada, uma influenciadora vivida por Charlbi Dean, morta no fim de agosto. Juntos, eles enfrentam discussões conjugais até que resolvem embarcar num cruzeiro de luxo. Antes da partida, porém, o modelo revela o comportamento hipócrita do mundo da moda.

Num desfile de grife, o telão prega mensagens de igualdade social e compaixão, dizendo que somos todos irmãos e devemos salvar o planeta. Os ricaços na plateia pendem entre a emoção e a seriedade. Ao espírito do tempo, parecem engajados, como se não estivessem ali para ver gente bonita e mostrar o que são --ricaços.

Impregnado de ideais humanistas, o modelo decide transpor tudo o que aprendeu nos círculos fashionistas para sua vida a dois, se revelando um sujeito insuportável. Na primeira parte do filme, ele discute durante longos minutos com a namorada sobre quem deveria pagar a conta do jantar. Se ele, macho loiro, ou ela, que, segundo ele, deveria botar em prática as leituras feministas.

Na segunda parte, adentramos no navio. Bebericando uma taça de champanhe, a influenciadora pede ao namorado um punhado de fotos. Ele quase se rasteja no chão para descobrir o ângulo mais "instagramável". Enquanto isso, o espectador conhece as demais figuras a bordo da embarcação. Um casal de velhinhos ingleses que sustenta a indústria mundial de granadas, um magnata russo que exporta fertilizantes, o capitão do navio --um militante marxista--, vivido por Woody Harrelson.

Östlund provou ter um bom tino para escolher assuntos em alta. Só que "Triângulo da Tristeza" é seu pior filme. A primeira parte do roteiro tem tiradas divertidas sobre o mundo contemporâneo, mas logo se tornam uma repetição de anedotas, como se estivéssemos presos à mesma piada. Em dado momento, o diretor dá a cartada que tornou seus filmes conhecidos. O caos se instala, e o roteiro entra em sintonia com o absurdo.

Nada que justifique, todavia, a lastimável terceira parte, à qual somos obrigados a assistir. O roteiro se esgota no absurdo, enquanto o diretor tenta alongar uma obra que já deveria ter acabado. Nesse vazio temático, o filme se torna entediante, sendo tão somente uma sucessão de imagens que nada agrega à história.

Também decepciona a falta de cuidado estético na obra. Afinal, aquele mar nada diz, assim como são redundantes os símbolos náuticos ali expostos. Sob o aspecto conceitual, o filme é decerto o mais conservador já feito por Östlund. "Força Maior", de 2014, desvelou a decadência do patriarcado. Em seguida, "The Square" passou um trator na picaretagem da arte contemporânea e, agora, "Triângulo da Tristeza" quer criticar a elite financeira mundial.

Se Östlund quis se tornar o novo "enfant terrible" da Croisette, ele parece ter escolhido um tema dócil. Com o assunto, o diretor não causa polêmica alguma, porque não desafina o coro dos contentes, tal como fizera em "The Square". Salvo a interessante crítica aos patéticos influenciadores digitais, "Triângulo da Tristeza" elege um tema que a maioria deseja criticar ou já criticou, não conseguindo inflamar o debate público.


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