CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Fase marcada por transformações físicas desnorteantes, a puberdade é ainda um período de mudanças menos óbvias. A forma como nos relacionamos com nós mesmos e com o mundo ao redor também passa por uma revolução meteórica, uma que Lukas Dhont tentou capturar em seu premiado "Close".

Vindo do Festival de Cannes com o grande prêmio da edição ocorrida em maio -apesar dos fortes burburinhos que o apontavam como favorito à Palma de Ouro-, o longa é o principal destaque da 30ª edição do Mix Brasil de Cultura da Diversidade, maior evento dedicado à cultura queer do país.

Entre esta quarta e o dia 20 de novembro, o festival exibe cerca de 120 filmes, entre curtas e longas, e promove programação gratuita de música, literatura e artes cênicas em diferentes pontos da capital paulista. "Close", aliás, não é só um destaque dentro das salas de cinema, mas também fora, já que seu diretor estará em São Paulo durante o evento.

O belga Lukas Dhont, de 31 anos, fez sua estreia à frente de um longa há só quatro anos, com "Girl", que enfileirou impressionantes quatro prêmios no Festival de Cannes de 2018 -o da Federação Internacional de Críticos de Cinema, a Câmera de Ouro, a Palma Queer e o de atuação da mostra Um Certo Olhar.

Nele, desbravou os anseios e frustrações de uma menina trans que sonha em seguir carreira como bailarina, embora as particularidades de seu corpo e os hormônios que toma sejam um entrave num ramo que prima pela padronização e a perfeição.

Se a estreia na Riviera Francesa foi como um ilustre desconhecido, o retorno em maio deste ano foi cercado de expectativa. Do terraço de um luxuoso hotel e sob o sol escaldante da costa azul, ele recebeu um grupo de jornalistas para falar de "Close", ainda sem saber que o filme sairia de lá com um prêmio, elogios e distribuição garantida em uma porção razoável de países, pela Mubi.

Questionado se não temia ficar preso à pecha de diretor de filmes LGBTQIA+ e, portanto, de alcance um tanto restrito, o cineasta, que é gay, disse que não, porque o cinema tem de partir de um lugar pessoal.

Mas "Close" não é necessariamente queer. Ao menos, esta não é uma leitura que o belga quis forçar aos espectadores. "Eu tentei fazer o melhor filme possível, mas, a partir do momento em que ele é exibido para o mundo, ele deixa de ser meu. Cada leitura para essa história é válida", diz.

"Temas como amizade, masculinidade e conformidade estão lá de forma muito direta e clara. O longa trata, claro, de homofobia -mas héteros também são prejudicados por ela, é algo que transcende ser LGBTQIA+. Então sim, há espaço para uma leitura queer, até porque é um filme que eu fiz, e eu sempre busco aquele ponto em que o pessoal e o universal se encontram, mas é um filme sobre muitas outras coisas."

Tragédia centrada em dois meninos de 13 anos, o longa lida com temas delicados e difíceis, especialmente nessa idade, como relacionamento tóxico, masculinidade frágil, depressão, luto, preconceito, mas também amor -em suas mais variadas formas.

Léo, numa atuação dilacerante do jovem Eden Dambrine, passa os dias dividido entre a escola, o colorido campo de flores no qual sua família trabalha e as brincadeiras com o melhor amigo, Rémi, vivido por Gustav De Waele.

Somos apresentados à dupla num verão de cores vívidas e sol intenso, contagiados pela alegria e a cumplicidade que os garotos mostram em cena. Eles fazem as refeições e dormem sempre na casa um do outro -na mesma cama, totalmente alheios a qualquer tipo de sexualização-, andam de bicicleta para cima e para baixo e torcem um pelo outro nas poucas atividades em que não há interesse mútuo.

Mas as aulas começam, e eles são obrigados a deixar aquele casulo de inocência. Léo e Rémi estão aprendendo a navegar pela adolescência e, de volta à escola, se tornam alvo de chacota e perguntas mal intencionadas por parte dos colegas. "Vocês estão juntos?", questiona uma menina, causando no primeiro dos garotos um misto de medo, inquietação e surpresa.

De uma hora para outra, Léo começa a podar o afeto que Rémi ainda tenta destinar a ele. Se inscreve em aulas de hóquei e mostra impaciência ao ver o outro na arquibancada, prefere dormir no chão ao lado da cama do amigo, não espera para pedalarem suas bicicletas juntos em direção à aula.

A relação que antes era imune a brigas e interferências externas é contaminada por desavenças e olhares cínicos. Rémi não entende o porquê de ser tratado com indiferença -e, na verdade, Léo, tampouco.

Por metade de sua duração, "Close" preserva os protagonistas e seu público da violência do mundo real, permitindo que o espectador sonhe com uma simples história de amor -fraternal ou romântico, pouco importa. Só para depois mergulhar a trama num turbilhão amargo de sofrimento.

Dhont leva o espectador a ter as mesmas saudades que seus protagonistas. Sentimos falta da cabeça de um repousando despretensiosamente sobre o ombro do outro. De Léo e Rémi com os rostos afetuosamente colados enquanto deitam na grama. De mãos que se entrelaçam sem qualquer segunda intenção, apenas porque podem.

"Nós vemos tantas histórias de corações partidos em contextos românticos, mas nunca em relações de amizade", diz Dhont, que conta ter passado por uma espécie de luto quando terminou "Girl". Diante de uma folha em branco, ele não sabia sobre o que escrever, então decidiu voltar à sua cidade natal.

"Eu fui até a escola onde estudei, por pura intuição, e senti que havia me reconectado com uma parte de mim, que me ajudou a pôr as palavras no papel. E fazer isso durante a pandemia foi ainda mais importante, porque foi um período em que nos sentimos tão distantes uns dos outros que eu aprendi a dar valor às minhas amizades. Isso é algo que eu não fazia quando pequeno, justamente por não saber transitar pelos grupos dos meninos e das meninas."

Para além de vasculhar a própria infância, Dhont se ancorou ainda numa pesquisa da psicóloga americana Niobe Way, que acompanhou cem meninos entre os 13 e os 18 anos. A cada ano, ela pedia que eles descrevessem suas amizades e notou que quanto mais velhos, mais distantes das emoções estavam as palavras usadas pelos voluntários.

"Isso mexeu comigo, porque fala muito sobre a intimidade e os sentimentos que a nossa sociedade permite que meninos e homens tenham", diz Dhont. "E eu percebi que, por muito tempo, eu também não conseguia falar sobre isso ou sobre a minha sexualidade. Foi por isso que, lá atrás, eu decidi fazer filmes e, hoje, decidi fazer 'Close'."

CLOSE

Quando: Exibido no Mix Brasil na seg. (14), às 20h30, no Cinesesc, e na ter. (15), às 20h, no Espaço Itaú de Cinema - Augusta.

Confira a programação completa do festival em mixbrasil.org.br/30

Classificação: 16 anos

Elenco: Eden Dambrine, Gustav De Waele e Émilie Dequenne

Produção: Bélgica, Países Baixos, Holanda, 2022

Direção: Lukas Dhont


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