FOLHAPRESS - Um jovem soldado é jogado numa guerra brutal e triturado pela máquina impessoal que move os conflitos modernos, perdendo a humanidade pouco a pouco sem compreender o contexto em que está inserido.

De clássicos como "Apocalypse Now" e "Glória Feita de Sangue" a bombas como "Pearl Harbor" ou "Corações de Ferro", passando por marcos estéticos como "O Resgate do Soldado Ryan" e "Além da Linha Vermelha", esse elemento é uma constante de filmes de guerra -quando não o coração do roteiro.

Tributário de todos eles é um romance alemão publicado em 1928 por um veterano da Primeira Guerra Mundial, Erich Maria Remarque, "Nada de Novo no Front". Escrito em prosa seca, ele conta a história de um garoto, Paul Bäumer, que acompanha seus camaradas na frente ocidental na França como quem vai a uma excursão escolar.

Já em 1930, o livro chegou ao cinema nas mãos do americano Lewis Milestone, e se tornou um clássico imediato. Ganhou o primeiro Oscar de melhor filme para um roteiro adaptado e o ódio dos ascendentes nazistas, que viam no manifesto de Remarque uma obra que promovia a covardia pacifista. Com efeito, a proscreveram ao chegar ao poder três anos depois.

Em 1979, a rede CBS lançou uma versão da obra em telefilme mais realista, conversando com as audiências acostumadas com a Guerra do Vietnã em suas telas de TV por mais de uma década, sem brilho. Agora, é a vez da Alemanha reclamar a obra.

O mais recente "Nada de Novo no Front", dirigido por Edward Berger numa produção da Netflix, disponível na plataforma de streaming, condensa as lições dessas nove décadas de filmes de guerra.

Tem o frescor adicional de ser pensado e falado em alemão -e francês ocasional. Como em "Stalingrado", tanto a versão alemã de 1993 quanto a russa de 2013, busca um ângulo algo afastado da Hollywood que criou o mito do Exército virtuoso na Segunda Guerra Mundial.

Além disso, os alemães do Segundo Império são mais indistinguíveis de seus inimigos do que os facilmente demonizáveis nazistas de Adolf Hitler, sendo assim mais fácil a empatia com seu sofrimento.

Há, claro, um certo fetiche que a internacionalização promovida pelo streaming provoca. Soa mais autêntica uma produção sobre a insurreição em Sri Lanka falada, digamos, em tâmil. Mas isso não é garantia de consistência.

No caso da obra de Berger, o começo é promissor. Um excelente plano passa de uma cena de programa de bichinhos fofos à barbárie do campo de batalha, só para desaguar no caminho de volta de um uniforme de soldado morto para a Alemanha -lavado, remendado, tudo com um automatismo que só a guerra industrial trouxe à dita civilização.

Ao fim, a roupa é entregue com a etiqueta contendo o nome do defunto para o atônito novato Bäumer, o muito bom Felix Kammerer. O jovem olha para o recrutador, que arranca o pedaço de pano e o joga em uma pilha. Murmura algo inconvincente sobre tamanho errado da peça e diz "acontece o tempo todo".

É um dos grandes momentos do filme, assim como quando é mostrado o destino da placa de identificação de soldados mortos, que os recrutas são obrigados a recolher dos restos de corpos após combates e bombardeios.

O problema é o resto. Há uma sensação inevitável de déjà-vu da história, particularmente para quem assistiu a outro filme recente que bebe da obra de Remarque, "1917", de Sam Mendes, lançado em 2019.

E são feitas opções narrativas duvidosas, como pincelar em sequências perdidas as motivações dos políticos alemães que promoveram a paz considerada desonrosa pelos generais -combustível do revanchismo nazista. O resultado é morno, sem escrutinar essa parte da história e tirando fôlego da saga dos soldados.

Não há nada no campo que não tenha sido filmado por Stanley Kubrick ou Steven Spielberg, e a avalanche da edição de som exacerba imagens brutais por si. Não significa que não seja um espetáculo de impacto ou que desonre a tradição de denúncia pacifista da guerra, mas a linearidade que busca emular a frieza do conflito acaba por cansar.

Evitando um spoiler evidente, o fim do filme também desce o degrau de lirismo que as duas versões anteriores haviam estabelecido e opta por algo mais pedestre.

"Nada de Novo no Front" tem ganho grandes elogios porque emerge no momento em que jovens russos são enviados para matar e morrer na Ucrânia, mas há aí uma falácia. É raro achar relatos de entusiasmo genuíno com a guerra na terra de Vladimir Putin, enquanto há mais de um século ela movia de fato garotos ingênuos.

Isso já foi mais detalhado em filmes como "Feliz Natal", de Christian Carion, de 2005, mas o momento político quase que assegura a competitividade da nova obra alemã no Oscar do ano que vem.

NADA DE NOVO NO FRONT

Avaliação Regular

Onde Na Netflix

Elenco Felix Kammerer, Albrecht Shuch, Aaron Hilmer, Daniel Brühl

Produção Alemanha, 2022

Direção Edward Berger


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