SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Imponente" parece ser o termo ideal para descrever tudo relacionado a "The Crown". Do jeito de falar dos atores aos figurinos que os adornam, dos carros de época aos iates, tudo transmite um senso de grandeza e ostentação. Mas nada se equipara aos palácios. Estes, sim, dão dimensão não só da riqueza, mas da excepcionalidade da família protagonista.
Como aconteceu entre seu segundo e terceiro anos, a série passa agora por uma mudança de elenco e um salto temporal. Sai Olivia Colman e entra Imelda Staunton, dama do teatro britânico, no papel da rainha Elizabeth 2ª. Pela primeira vez, ela estará nas telas sem que sua equivalente da vida real esteja sentada no trono. Elizabeth morreu no mês retrasado, pondo fim a um reinado de 70 anos.
É contando mais do que nunca com a extravagância de salas, quartos, escritórios, jardins e fachadas que "The Crown" retorna nesta semana para sua quinta temporada, que transformou os cenários em personagens para ajudar a narrar a crise sem precedentes que se impõe à monarquia na nova safra de episódios.
A quinta temporada de "The Crown" mergulha nos anos 1990, destacando a crise matrimonial entre a princesa Diana -vivida por Elizabeth Debicki- e o agora rei Charles 3° -o ator Dominic West-, além do colapso da popularidade e da autoestima de Elizabeth 2ª, que já não é mais uma mocinha.
Uma imagem vale mais do que mil palavras, já diria o ditado, e foi por isso que o diretor de arte da série, Martin Childs, e a decoradora Alison Harvey tiveram trabalho redobrado, a fim de, visualmente, expor as rachaduras que se alastraram pela Coroa.
"No início dos anos 1990, muitas coisas estavam desmoronando. A popularidade da rainha, a economia britânica, o navio que ela havia inaugurado no começo do reinado. Novas tecnologias se tornavam onipresentes, como computadores, celulares e aparelhos de VHS. O mundo que conhecíamos estava se tornando obsoleto", afirma Childs, que venceu um Oscar pelo trabalho em "Shakespeare Apaixonado" e dois prêmios Emmy por "The Crown".
"Nós nos referimos à primeira e à segunda temporadas como invernos, e então tivemos a primavera com a terceira, o verão com a quarta e agora o clima está ficando desagradável novamente. Então usamos, por exemplo, muitos espelhos, que são um bom veículo para salientar esta crise."
Eles explicam que a presença dos espelhos permite que as câmeras borrem elementos em cena e emoldurem os personagens, dando a entender que eles pararam no tempo e emperraram. Os objetos também carregam a metáfora óbvia do reflexo, de como alguém se enxerga, salientando a crise de imagem da rainha, por exemplo.
"The Crown" recomeça em 1992, notoriamente apelidado pela rainha de "annus horribilis", ou "ano horrível" em latim. Depois dos anúncios de separação de um de seus filhos, príncipe Andrew, e da filha, princesa Anne, veio a biografia de Diana escrita por Andrew Morton, na qual a própria princesa, mais tarde saberíamos, expôs os podres do relacionamento com Charles.
Adicione a isso vazamentos de gravações telefônicas dos dois com seus respectivos amantes e o incêndio que queimou por 15 horas o Castelo de Windsor, uma das residências reais, e o resultado é um ano que assombrou a rainha mais do que os de guerras e austeridade do passado.
Um dos ápices emocionais da quinta temporada, o incêndio no castelo inglês foi recriado no palácio Burghley House. Windsor, assim como Buckingham e outras residências oficiais, não pôde ser usado nas gravações, então tudo foi recriado em estúdio ou imóveis históricos espalhados pelo Reino Unido.
Foi um dos maiores desafios para o departamento de arte de "The Crown", já que a diretriz desde o ano inaugural é que apenas um terço de cada cenário seja criado por meio de computação gráfica. Todo o resto precisa ser construído, alugado ou comprado, dizem Childs e Harvey. Assim, fumaça e luzes fortes precisaram ser expelidas das janelas de Burghley House, recriando o fogo devastador.
O "annus horribilis" da rainha, no entanto, não parou por aí. Para além dos computadores, os paparazzi e suas câmeras teleobjetivas, que permitiram ao público um olhar mais atento e voyeurista à vida outrora reservada da realeza britânica, também estavam em evidência naquele ano de 1992.
Mas há um limite para as lentes, até mesmo para o que deve ter sido a figura mais fotografada dos tabloides britânicos do período, a princesa Diana. A invasão de privacidade, barrada por portas e janelas, não chegou à intimidade de seu apartamento no Palácio de Kensington, um dos cenários principais desta quinta temporada.
Foi nele que Childs e Harvey tiveram mais liberdade criativa e, ao mesmo tempo, cautela. "Quando fazemos um trabalho inspirado na realidade, precisamos pesquisar muito, mas há coisas que documentos ignoram, como o tom e o clima dos ambientes", explicam.
"Diana foi confinada nesse local que nunca foi dela, não necessariamente segue o seu gosto, então ela provavelmente viveu cercada por uma mobília centenária que reflete a aparente estabilidade da família, mas que impedia que a modernidade associada à sua figura aparecesse."
Num universo em que todos são obrigados a seguir uma cartilha de etiqueta complexa e padronizada, é nos pequenos detalhes que reside o espaço para os personagens expressarem sua personalidade.
No caso de Diana, aqui e ali, a dupla espalhou dicas que podem passar despercebidas, mas que revelam quem era a princesa -do povo, vale ressaltar, já que neste caso a direção de arte lançou mão de menções à cultura pop, como discos de Lionel Richie e caixas de jogos de tabuleiro.
Eles também optaram por cores que trouxessem certa melancolia, para refletir a tristeza e o isolamento que Lady Di sentia. Papagaios aparecem discretamente, porque são pássaros que sugerem um potencial de voo, apesar de normalmente estarem em gaiolas, como a personagem se sentia.
Dos cartazes nas paredes aos frascos de perfume na penteadeira de cada um, tudo é meticulosamente pensado para dar individualidade aos membros daquela família desconjuntada. Esses toques não só personalizam os ambientes, como também ajudam a mostrar que, apesar de museu e escritório, o Palácio de Buckingham e seus equivalentes são também um lar.
Há gente como qualquer outra morando ali, por isso não estranhe se avistar uma xícara de chá esquecida num canto ou um fio de telefone enrolado no chão.
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