SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Rainha morta, rei posto. A coincidência obviamente não foi planejada, mas insufla com uma inesperada atualidade a quinta temporada de "The Crown", que estreia nesta quarta (9) na Netflix. Embora ampare parte de seu roteiro no conturbado casamento de Charles e Diana, é a sucessão de Elizabeth 2ª, morta em setembro aos 96 anos, seu tema central.
A soberana das telas, agora na pele da soberba Imelda Staunton (de "O Segredo de Vera Drake" e "Harry Potter"), segue muito viva, mesmo que o mundo ao redor --de castelos, navios e casamentos reais à geopolítica europeia-- colapse sobre sua cabeça real.
Calcados cada um em um personagem, os dez episódios, que cobrem a maior parte dos anos 1990, são uma fieira de catástrofes. A maior delas, para quem está sentado no trono, é o questionamento da monarquia, uma instituição milenar e então pouco preparada para as mudanças supersônicas em vista.
Se com Claire Foy, a monarca nas duas temporadas iniciais, vimos uma rainha hesitante, e com Olivia Colman, a quem coube o papel nas duas seguintes, uma chefe de Estado resoluta, a Elizabeth da vez está solitária e em crise.
Essa impotência diante de uma ameaça existencial está nos cenários e no roteiro (em uma das sequências mais impressionantes, vemos em flashback a família Romanov ser assassinada, membro a membro, para que chegue ao fim o czarismo na Rússia).
É uma Elizabeth cuja função e a própria forma como a desempenha passam a ser questionados não apenas pelos súditos, mas por integrantes da própria família. Como se fosse pouco, entra no escrutínio o papel de mãe que, podendo dar tudo aos filhos, os privou de experiências tão comuns quanto necessárias: namorar, trabalhar, decidir.
Assim "The Crown" dá um passo decidido em direção à ficção (os Windsor nunca aprovaram a série de Peter Morgan, porém seu esmero em recriar episódios históricos é inegável) e apresenta um Charles questionador e viril, quase apartado da figura pública do agora rei.
Parte disso resulta de um lapso de escalação de elenco, algo incomum na série. Dominic West é um ator competente para um tipo específico de papel --e quem o viu em "A Escuta" e "The Affair" tem isso claro. É o do sujeito confiante, a quem todos querem ouvir.
Esse não é o Charles com o qual o público está acostumado, menos ainda aquele vivido até a temporada anterior por Josh O'Connor, cuja semelhança física com o príncipe de Gales é de enorme ajuda.
É curioso, também, o paralelo que a temporada faz entre ele e Dodi al-Fayed (Khalid Abdala), que viria a ser o namorado de Diana morto a seu lado no acidente. Enquanto a rainha reluta em confiar ao filho o trono, e o príncipe Philip (o estupendo Jonathan Pryce) não hesita em humilhá-lo, Dodi é lapidado pelo pai, o milionário selfmade Mohamed al-Fayed (Salim Daw, impagável), para que conquiste o mundo.
Ao oferecer um olhar mais amplo e generoso sobre o primogênito de Elizabeth, "The Crown" rompe a previsibilidade incontornável de uma série histórica, especialmente numa temporada em que os fatos acompanhados foram reiteradamente esmiuçados num passado recente.
O Charles da tela é uma figura que quer revigorar a monarquia; que se queixa por ser, supostamente, uma potência subutilizada, e que, repreendido pelos pais, reage.
Na vida real, o novo rei chegou ao trono há dois meses, e, ao fazê-lo aos 73 anos, seu reinado é considerado por analistas como transitório, um esquenta-trono para o filho William, 40.
Na série, é difícil torcer pelo futuro rei. Staunton e especialmente Elizabeth Debicki (de "O Gerente da Noite"), que dá vida a Diana, são devastadoras em cena.
Debicki, aliás, é um assombro ao incorporar cada suspiro e olhar da mãe de William e Harry, morta em um acidente de carro aos 36 anos. Emma Corrin, que ficou com o papel na temporada anterior, foi indicada ao Emmy e não levou; no caso de Debicki, a inscrição de seu nome na estatueta pode ser feita já.
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