PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - O público de literatos da Flip trocou os livros pela bola na tarde desta quinta para acompanhar o jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo pelo telão aberto onde as mesas são exibidas na praça da Matriz, em Paraty. O clima de discussão literária foi para escanteio e virou fan fest.

Antes de o jogo começar, o público reunido cantou o hino nacional e em seguida puxou "olê, olê, olê, olá, Lula, Lula" em coro, o que se repetiu depois do fim da partida.

Eram visíveis diversas camisas amarelas estampadas com número 13 ou mensagens anti-Bolsonaro pela plateia de 500 pessoas sentadas e várias centenas em pé, em torno das cadeiras e ocupando a praça.

Quando Neymar saiu de campo após se machucar, o público da Flip vaiou e deu para ver mãos erguidas com o dedo do meio para o alto. O jogador é um notório apoiador do presidente Jair Bolsonaro e havia declarado que dedicaria um gol ao mandatário de direita caso pontuasse. A vitória do Brasil veio por dois gols de Richarlison.

"Botei o uniforme amarelo com algum receio", diz o advogado Flávio Leite, que acompanha o telão com a mulher. "Torço para que a sociedade brasileira como um todo retome esse símbolo, mas deve demorar um pouco. Camiseta é nacional, não pode ser vinculada a um interesse político."

Quem também estava de amarelo era o escritor e boleiro Xico Sá. "Foi minha filha quem deu um empurrão para que eu voltasse a usar a camisa", diz o autor de "A Falta". "Ela vinha da escola e perguntava: 'papai, por que não pode usar?'. Então chega de frescura, é hora de resolver esse trauma."

A cidade, como o resto do país, praticamente parou para ver a partida. A Flip não marcou nenhuma programação para a hora do jogo, prevendo que o público se dispersaria --o festival, afinal, não é uma redoma intelectual a esse ponto.

Algumas lojas fecharam as portas durante o jogo, mas a maioria ficou aberta. Bares e restaurantes com televisores sintonizados na partida atraíram mais fregueses do que outros.

Num dos maiores bares da cidade, o sinal da televisão caiu assim que o Brasil marcou o gol e ninguém conseguiu ver a bola entrar.

A própria exibição organizada pela Flip sofreu com problemas na primeira meia hora. A cada um minuto, a transmissão era interrompida por uma tela preta por alguns segundos, o que causava gritos de protesto. Na hora do vamos ver, quando o Brasil selou sua vitória, a situação já estava normalizada.

Mas claro, havia quem não desse a menor bola para futebol, e boatos divertidos circularam. "Me disseram que a Annie Ernaux está falando lá na praça agora", disse um advogado que aproveitou o intervalo para visitar uma livraria no centro histórico.

"Não sei se me interesso muito por futebol, mas me interesso muito por pessoas que se interessam por futebol, estou muito feliz de estar aqui com brasileiros", disse a escritora Saidiya Hartman, professora da Universidade Columbia que participa de uma mesa na Flip, e assistiu ao jogo do Brasil ontem no evento da editora Companhia das Letras. Hartman tinha estado no Brasil no início dos anos 90, em São Paulo e no Rio. "Não havia nenhum negro nas faculdade que visitei. Era chocante", lembrou. Agora ela notou que ainda são muito poucos negros nas plateias da Flip e eventos relacionados.

A assistente de produção Kelly Dutton, da Casa Malê, afirmou que não ia ver o jogo porque "esse dinheiro podia ser investido em educação e saúde". "Fora que ninguém merece ver o Neymar."


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