PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - O escritor carioca Geovani Martins, morador da favela do Vidigal que se projetou no meio literário com histórias da comunidade em que vive, diz que torce o nariz sempre que lhe sugerem que a literatura representa, para jovens como ele, uma porta para a cidadania.
"A literatura para mim é uma arma", disse ele nesta sexta (25), durante uma das mesas da programação principal da Flip. "É a forma com que consigo lutar para quebrar o ciclo da exploração e as ideias que foram pré-fabricadas sobre jovens como eu, negros, favelados."
Martins estreou há quatro anos com a coletânea de contos "O Sol na Cabeça" e lançou este ano o primeiro romance, "Via Ápia", sobre o impacto da ocupação da Rocinha por forças policiais, que durou de 2011 até 2013, na vida de cinco jovens moradores da favela.
Vestido de branco da cabeça aos pés e mexendo sem parar nas tranças do cabelo, ele contou que o sucesso financeiro alcançado com o primeiro livro, escrito em meio a dificuldades e empregos precários, permitiu que tivesse condições muito melhores para produzir o romance.
"Quando escrevia os contos, eu tinha preocupações muito urgentes", disse. "Com o novo livro, pude respirar e pensar". O escritor afirmou que se virava com trabalhos que pagavam R$ 100 por semana e agora recebe ofertas de cachês de R$ 1.000 para falar em eventos literários.
Ele dividiu o palco da Flip com a americana Ladee Hubbard, cujo romance "A Talentosa Família Ribkins" acaba de ser lançado no Brasil. O livro conta a saga de uma família negra em que todos são dotados de habilidades extraordinárias e atravessa décadas da história americana.
Questionada sobre a comparação usada por Martins ao definir a literatura como uma arma, ela disse preferir ver o ofício como uma "arma defensiva", que deve ser usada para que vozes silenciadas ou ignoradas sejam ouvidas e se abram espaços de diálogo amplos na sociedade.
Seu livro é dedicado ao avô, que foi professor de química, lhe fez entender o valor da educação desde cedo e serviu de modelo para o personagem principal do romance. "Ele me ensinou que ninguém pode tirar de você o que você tem na sua cabeça", disse Hubbard.
Martins defendeu a legalização das drogas no Brasil e apontou políticas de combate ao tráfico, que considera equivocadas, como as principais responsáveis pelas taxas elevadas de mortes violentas de jovens negros e pelo crescimento da população carcerária do país.
"A proibição às drogas é a desculpa perfeita que o Estado usa para se eximir de responsabilidade no combate à miséria que leva tanta gente ao desespero e às drogas", afirmou o escritor. "A gente se embrutece muito, todo dia é uma merda, uma chacina."
Ele lembrou com indignação a destruição de um memorial erguido na favela do Jacarezinho em homenagem a 28 pessoas mortas pela polícia em maio de 2021, na operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. A própria Polícia Civil destruiu o memorial neste ano.
"No Brasil, o Estado também exerce a função de apagar a nossa memória", disse Martins, citando uma conversa recente que teve com Julio Ludemir, idealizador da Flup (Festa Literária Internacional das Periferias). "Meu livro é uma coisa que a polícia não vai destruir."
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