PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - A Vila Madalena, o mais famoso dos bairros boêmios de São Paulo, deu as caras em Paraty na noite deste sábado (26). Mais especificamente na rua do Comércio, onde fica a Casa Folha.
Primeiro surgiu como imagem. Na última mesa do dia, com o escritor Itamar Vieira Junior, o espaço tinha lotação máxima (160 pessoas) e dezenas de pessoas acompanhavam a apresentação do autor de "Torto Arado" na rua, de pé. Tanta gente, que se equilibrava sobre as pedras irregulares e úmidas de Paraty, lembrava vias movimentadas do bairro paulistano como Aspicuelta e Fidalga num sábado à noite.
O evento também remeteu à Vila Madalena como sinônimo de uma parte do Brasil que não representa o todo.
Ao ser perguntado pelo mediador, o repórter da Folha Walter Porto, sobre a existência de uma nova geração de editores, mais atenta às transformações sociais pelas quais o país passa, Itamar respondeu: "Os editores estão, sim, mais sensíveis a essas mudanças, mas as transformações se devem, sobretudo, aos leitores".
O autor, que também é colunista da Folha, continuou: "Há uma geração de egressos das universidades, que chegaram ao ensino superior por meio das cotas. Concluíram a formação com consciência política e social e disseram: 'Agora vou ler as histórias que fazem sentido pra mim'. Essas pessoas não vão ler o autor branco de classe média que vive na Vila Madalena. Adoro a Vila Madalena, mas o Brasil é muito mais do que isso."
Ou seja, é a metamorfose vivida pelo público leitor no Brasil que leva às mudanças de comportamento dos editores de livros, segundo ele. "Pessoas negras sempre escreveram, mas não tinham oportunidade de publicar."
Os números dos livros de Itamar talvez sejam o sinal mais robusto desse novo cenário. Lançado em 2019, o romance "Torto Arado" já vendeu mais de 400 mil exemplares. "Doramar ou a Odisseia", livro de contos, foi publicado no ano passado e já superou 70 mil. Mesmo nesse segundo caso, a quantia é muito superior à média do mercado editorial brasileiro.
"Dizer que o Brasil tem poucos leitores é uma falácia. Na verdade, faltam ao país políticas públicas de fomento à leitura. 'Torto Arado', por exemplo, encontrou corpos de leitores bastante distintos", afirmou.
Segundo ele, com exceção de centros como São Paulo, as cidades brasileiras só têm bibliotecas públicas nas suas regiões centrais. "É preciso que estejam também nas periferias."
Na Casa Folha, Itamar também comentou os eventuais efeitos de um início tão bem-sucedido sobre seus próximos trabalhos. "Minha relação com a literatura é maior do que 'Torto Arado'. Claro que sempre vou falar sobre esse livro em encontros como este aqui, mas ele não vai ditar o que farei daqui pra frente."
Mais adiante, uma jovem da plateia perguntou: "Qual livro gostaria de ter escrito?" O romancista indicou, sem titubear, "Amada" (1987), da norte-americana Toni Morrison. "Li várias vezes e sempre releio em novas perspectivas. Como ela consegue escrever daquela maneira?"
No final da sua fala, prestes a enfrentar uma longa fila de autógrafos, que se estendia pela rua do Comércio, Itamar fez uma homenagem às mulheres, figuras centrais do seu romance e dos seus principais contos. "Talvez o futuro seja feminino, tenho confiança nisso. E o feminismo não é só assunto das mulheres. Nós, homens, também precisamos pensar sobre isso.
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