SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os últimos dias de Robin Pecknold têm sido cheios de novidades. Pela primeira vez na América do Sul, o líder do Fleet Foxes escolheu o Chile para tocar, também pela primeira vez, uma de suas músicas ao vivo.
Havia uma razão óbvia. Em "Shore", disco de estúdio mais recente da banda de Seattle que mistura folk e indie rock, Pecknold canta sobre Víctor Jara, músico e ativista chileno morto em 1973 pela ditadura de Augusto Pinochet. Simpatizante de Salvador Allende, o cantor foi detido com outros apoiadores do socialista deposto por um golpe militar. Na prisão, teve as mãos esmagadas e foi espancado.
"Ele é um artista que amo e uma inspiração. Só não tocamos essa música antes porque ela é muito difícil de cantar", diz o vocalista, guitarrista e dono do Fleet Foxes, sobre a canção que leva o nome do chileno.
Em Santiago, quando "Jara" surgiu no repertório, muitos no público ergueram flores, uma demonstração do calor das plateias latino-americanas. Pecknold vê o carinho dos fãs da região como algo que compensa os obstáculos para se apresentar aqui, como "logística ruim e a possibilidade de não ganhar dinheiro".
A relação com a América do Sul é mais ampla. Do Brasil, onde se apresenta neste domingo (11) no Balaclava Fest, em São Paulo -com a canadense Alvvays, a americana Crumb e os brasileiros Ombu, Bruno Berle, Jennifer Souza e Pluma-, Pecknold elege Tim Maia, Milton Nascimento e Lô Borges como favoritos.
"Por meio dos Beatles eu cheguei a Os Mutantes e à tropicália, cheguei à música popular brasileira das décadas de 1960 e 1970", diz ele. "Queria que a música americana ou britânica tivesse ido nessa direção."
Pecknold lamenta não conhecer muito das bandas nacionais recentes, ainda que tenha feito uma parceria com Tim Bernardes, de carreira solo e com a banda O Terno elogiada no exterior. A colaboração, conta ele, deu-se após encontrar um amigo do brasileiro numa praia para surfistas da Nicarágua, há sete anos.
A conexão rendeu "Going-to-the-Sun Road", canção com metais, barulhinhos mil, letra que flerta com o lirismo -e, de tão solta, pode dizer tudo e nada- e um trecho cantado em português. Neste domingo, Tim subirá ao palco para repetir a parceria. Antes, em junho e julho, ele abriu a turnê do Fleet Foxes nos Estados Unidos.
A atmosfera criada por essa música e tantas outras da banda, com vocais sobrepostos e passagens etéreas, quase num tom religioso --o grupo gravou seu último álbum, ao vivo, em uma igreja-, contrasta com o período sombrio vivido por Pecknold recentemente, inclusive durante a pandemia.
Logo após as mortes da estilista Kate Spade e do chef de cozinha Anthony Bourdain, em 2018, o músico publicou no Instagram um texto em que diz ter tido pensamentos suicidas e problemas com depressão, o que, segundo ele, explicaria em parte o hiato da banda entre 2013 e 2016 para que ele voltasse a estudar.
Agora, num momento pós-Covid, em que até a China já flexibilizou restrições, Pecknold celebra a chance de se reunir com amigos, colegas de trabalho e o público nos shows. "É a sensação de volta à normalidade. Depois que tudo é tirado de você, você passa a gostar mais das coisas que tem de fazer, não parece mais uma obrigação. Parece algo realmente bom, que vale a pena fazer, saudável e agradável."
Como frutos da pandemia, o músico destaca o tempo maior que teve para concluir "Shore", álbum que, embora tenha sido elogiado, não chega aos pés do frenesi em torno do Fleet Foxes em 2008, quando a banda lançou seu primeiro disco. Para Pecknold, se não tivesse havido a quarentena, a produção teria sido apressada, o grupo teria voltado a fazer turnês como sempre e "Donald Trump teria sido reeleito".
O que ele mais comemora, porém, é o fato de ter começado a dar aulas de composição. Questionado qual é a lição mais importante de seu curso, o líder do Fleet Foxes, sem mudar a voz mansa durante toda a entrevista, não hesita --"Componha o quanto puder sem se julgar, não seja hipercrítico nesta etapa".
Para quem elabora canções desde a adolescência, retomar um espírito de espontaneidade parece ser crucial. Pecknold, 36, diz que busca maneiras de voltar a compor como fazia há mais de uma écada, quando "escrevia um disco por mês". "Não eram ótimas músicas, mas eu amava descobrir como cantar, como colocar acordes em sequência. Quando você começa a fazer turnês e a lançar álbuns, começa também a ser alvo de resenhas e de julgamentos. Isso mudou a forma como produzo", afirma.
"Ter uma carreira na indústria da música é algo diferente de ser apenas um compositor prolífico. Leva um tempo para aprender como fazer essas coisas de um jeito que você se sente bem. Gosto disso."
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