FOLHAPRESS - Pádraic, papel de Colin Farrell, e Colm, vivido por Brendan Gleeson, são bons amigos que bebem juntos todo dia no mesmo horário e bar em Inisherin, pequena ilha ficcional da costa da Irlanda, nos anos 1920. Pelo menos, até o dia em que Colm decide não ir.
A resolução mexe com Pádraic e a pequena comunidade da região, mas o motivo é o primeiro "susto" de "Os Banshees de Inisherin". Colm encerra a amizade não apenas por se sentir desperdiçando a vida, como passa a achar o companheiro de copo um chato, sem algo a oferecer além de papos triviais.
Se o primeiro plano, descendo das nuvens à ilha, não é suficiente, esse pontapé inicial já estabelece ao público que o filme trata de algo com um toque filosófico vindo de seu diretor, Martin McDonagh. Uma sugestão implícita no retorno do cineasta ao continente irlandês após temporada rápida nos Estados Unidos, ainda que a produção aqui continue sendo americana.
Descobrimos logo que Colm fala sério dos novos rumos. Obstinado em compor uma música em seu violino que ficará para a história, ele se mostra firme em não querer qualquer contato com Pádraic. Mas o antigo amigo não arrega, por ingenuidade ou teimosia.
A insistência leva Colm a uma resolução drástica -a cada ocasião que Pádraic importuná-lo, ele cortará um dedo da mão esquerda. Quem sabe dessa maneira o colega pare com as abordagens. Mas, no fim, se instaura um clima de revanchismo aos poucos.
Enquanto isso, se ouvem ao longe canhões da guerra civil irlandesa, o que em Inisherin é às vezes um incômodo, às vezes distração.
Essa contextualização histórica é o sinal mais óbvio do quanto McDonagh, também roteirista, busca encontrar na obra a lógica de retorno às origens, junto das escalações de Gleeson e Farrell -reunião simbólica de sua estreia em longas, "Na Mira do Chefe".
Embora a trama não seja baseada em nenhuma de suas peças -ele começou a carreira como dramaturgo-, o som dos canhões é aplicado como recurso teatral básico. É uma pontuação à tensão crescente da narrativa, mas traduzida em reações do elenco.
Bom exemplo é quando a irmã de Pádraic, Siobhán, -papel de Kerry Condon- se assusta com o barulho quando vai confrontar Colm. Não se acrescenta ali algo de fato, mas há a noção trivial de valor temático.
Tal imediatismo, uma justaposição simples das artes cênicas com o cinema, tampouco ajuda quando unido ao desinteresse da forma. Se nos três longas anteriores e em "Six Shooter" -curta que lhe deu o Oscar em 2006- McDonagh aderia aos filmes de máfia para fundamentar suas histórias ao espectador, a lógica de cenas de "Os Banshees de Inisherin" parece feita pensando só nos atores, ao invés de trabalhar com eles.
Encarado assim, a narrativa se arrisca em evoluir ao tédio. O esforço do diretor em elevar o material a partir do litoral irlandês cai rápido numa estética similar aos protetores de tela de computador -bonitos à primeira vista, mas passageiros-, e os confrontos de Pádraic e Colm saem emperrados na montagem, com cortes aleatórios colando enquadramentos banais.
O olhar aos céus de McDonagh, nesse sentido, lembra o de Kenneth Branagh em "Belfast", o que é curioso se pensar que ambos os filmes compartilham uma admiração a John Ford. Frente a essa aspiração, vale lembrar o quão passageira foi a relação de McDonagh com o país, onde passou apenas algumas férias na infância. Ainda assim, esse londrino em pele de irlandês reivindica esse espaço como parte de sua memória.
Apesar disso, "Os Banshees de Inisherin" se segura no elenco. Despido de um gênero que o diretor nunca fez questão de entender e focado na comédia de erros, há maior espaço e conforto aos protagonistas e seus coadjuvantes para refinar o que já sabem fazer bem.
É o caso de Gleeson, de volta ao papel típico de veterano pelo viés remoído, e de Farrell, que sempre se divertiu em personagens entre a inocência e a burrice. Enquanto a dinâmica dos dois dá liga, as atuações de Condon e Barry Keoghan contornam o fato de seus arcos, da irmã que se toca do ambiente violento e do jovem encurralado, servirem de mero estofo à história.
Juntos, esses trabalhos dão gás à narrativa, até porque dão tons a um longa superficial de ideias. Sem isso, "Os Banshees de Inisherin" é comparável ao momento em que Colm verbaliza querer ser como Mozart, mas erra o século em que o compositor viveu.
McDonagh jura o filme inteiro que comenta a estupidez dos homens e a obstinação masculina, mas o prazer real vem da filiação às atuações. A obra sugere a complexidade, mas só alcança o simples.
OS BANSHEES DE INISHERIN
Avaliação Bom
Onde Estreia nesta quinta (2) nos cinemas
Classificação 12 anos
Elenco Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon
Produção EUA, 2022
Direção Martin McDonagh
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