SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Já nos primeiros minutos em cima do palco na noite deste sábado, Rupi Kaur lamentou ter demorado tanto para vir ao Brasil, um país que acolhe efusivamente sua obra literária há anos.

Era para ter vindo ao país em 2020, disse, mas os planos foram boicotados pela pandemia. Ela disse, contudo, ter visto de longe como seus fãs brasileiros "resistiram com resiliência, sorrisos e amor a anos horríveis".

Então alguém gritou "fora, Bolsonaro" e a poeta respondeu levantando os dedos em "L", num dos momentos de aplausos mais ruidosos na apresentação no Memorial da América Latina, em São Paulo.

"Eu não sei o que isso significa, mas confio tanto em vocês", continuou ela, um pouco envergonhada, enquanto o público ria. "Espero que seja algo bom."

Foi um episódio bem simbólico da noite em que Kaur fez a única apresentação de sua turnê de poesia falada no Brasil. Não é só que havia uma conexão direta entre a poeta e seu público --o que aconteceu foi quase um diálogo, mergulhado em emoção de parte a parte.

"Eu já comecei chorando", disse Kaur nos seus primeiros suspiros no palco, e era verdade. "Estou tremendo, me sinto como se estivesse conhecendo minha família."

Era uma família quase só de mulheres --a poeta já tinha dito, em uma entrevista na véspera a este jornal, que tem ficado feliz ao ver agora um ou outro homem pipocar nas suas plateias-- , a maioria delas bem jovens.

Elas ouviram 90 minutos de poesia sobre amor e empoderamento, a superação de relacionamentos tóxicos, a força do corpo feminino e a imigração de seus pais --num dos momentos mais sublimes da noite.

A performance começou com um texto sensível e pesado sobre a depressão com que Kaur foi diagnosticada. Em seguida, ela desanuviou o ambiente. "Agora vou falar de algo tão cansativo quanto a depressão: homens", e a plateia veio abaixo.

As reações cheias de decibéis e entusiasmo eram estimuladas pela escritora. No começo da apresentação, ela disse que o público podia gritar e falar com ela à vontade, e não foram poucas a seguir o conselho.

Um dos poemas, em especial, foi recebido como o grande hit de um show de diva pop. É o que começa: "Queria pedir desculpa a todas as mulheres/ que descrevi como bonitas/ antes de dizer inteligentes ou corajosas", do livro de estreia "Outros Jeitos de Usar a Boca".

Também como num grande concerto musical, uma garota levou um cartaz de cartolina para chamar atenção da poeta --e conseguiu-- e uma outra fã, a carioca Maiara, foi convidada ao palco para ler um poema que tinha pedido num chat aberto pela escritora antes da apresentação.

Perto do fim da performance, quando começou a refletir sobre sua carreira, a poeta comentou que sua popularidade fez com que fosse criticada por não ser boa literatura.

Isso tem a ver, segundo ela, com o fato de seu público ser dominado por garotas jovens. "Tudo o que meninas se juntam para ver é tratado como frívolo. Porque imagina se elas seriam capazes de ler alguma coisa de qualidade."

O que não dá para negar, independentemente do gosto, é que poucas escritoras no mundo têm a capacidade de provocar catarses como as vistas em São Paulo nesta noite.


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