SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Operário da arte que era, Arcangelo Ianelli pintava diariamente no ateliê, da manhã até a noite, como um funcionário disciplinado a serviço das tintas.
"A atividade criadora não termina com a ideia, começa com ela", dizia uma frase em sua estante de pigmentos, dispostos organizadamente dentro de pequenos frascos de vidro, uma cor por prateleira. Os pincéis ele agrupava em conjuntos de ponta chata ou redonda, junto a dezenas de livros.
A dedicação do artista a seu ofício e o cuidado com que Ianelli manejava suas ferramentas de trabalho encontravam paralelo em suas telas. Ele criava superposições de retângulos que emprestavam à pintura uma aparência de ordem, e preenchia os interiores e exteriores das formas geométricas com poucas cores sem brilho, dando um aspecto sóbrio a seus quadros da década de 1970, talvez os mais conhecidos de sua longa carreira.
Desenhadas à mão com grafite, as formas geométricas em Ianelli "não são concretistas, têm sempre uma certa instabilidade na construção, embora sejam formas geométricas", diz Denise Mattar, a organizadora de uma grande mostra retrospectiva da carreira do artista, que abre para o público nesta terça-feira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM.
"Ianelli 100 Anos: O Artista Essencial" recupera quase a totalidade da obra do pintor e escultor paulistano, de seu início figurativo na década de 1950 até suas grandes telas nas quais só há a cor, dos anos 2000, passando pelo seu trabalho de escultura em madeira e mármore. Há também uma reprodução do ambiente de seu ateliê, com estantes, livros, pincéis, pigmentos e o cavalete usado pelo artista.
Um dos destaques é a têmpera "Sinfonia em Branco", vencedora do Panorama da Arte Brasileia do MAM há 50 anos e pintada numa época em que o artista sofreu uma intoxicação causada pelo chumbo usado na composição da tinta a óleo, sua matéria-prima corriqueira. Ele percebeu que a têmpera de ovo oferecia às telas transparências e toques acetinados, características que levaria para as pinturas a óleo posteriores, trabalhando os pigmentos até atingir a saturação desejada, conta Mattar.
O estudo das cores, em geral sem brilho, e a maestria de sua aplicação sobre a tela trouxeram reconhecimento ao artista em vida. Além de vencer prêmios, ele expôs em instituições importantes dentro e fora do Brasil, participou de nove edições da Bienal de São Paulo e foi tema de um poema de Ferreira Gullar, no qual o autor escreveu que Ianelli deixava a cor imergir de seu cerne, "densa e luminosa".
Isso fica mais claro na última sala da exposição, onde o espectador é envolto por telas retangulares imensas, que chegam a ocupar uma parede inteira, datadas da fase tardia do artista, quando ele estava próximo de fazer 80 anos.
Nessas pinturas, Ianelli depurou sua estética ao máximo, tirando da tela as demarcações geométricas dos anos anteriores. "Em busca da cor, ele tira a forma, assim como em busca da forma ele tirou a cor das suas esculturas", afirma Mattar.
Uma parte da mostra se debruça sobre a produção escultórica do artista, concentrada em peças de mármore e de madeira pintada de branco. Há, por exemplo, o estudo de um mural que depois foi executado na fachada do edifício Diâmetro, na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, composto por três superfícies retangulares beges e brancas justapostas horizontalmente. O projeto foi o pontapé inicial de seu trabalho com esculturas.
Meticuloso, ele fazia pequenas maquetes dessas peças, que observava por anos antes de executar os projetos em mármore. Esses estudos, que agora vêm a público pela primeira vez, foram guardados por seu filho, Rubens Ianelli, também pintor e um dos responsáveis pelo acervo do pai junto de sua irmã, Kátia Ianelli, que trabalhou no ateliê do artista por 30 anos preparando suas tintas e telas. Ambos ajudaram a organizar a exposição.
"Ianelli 100 Anos: O Artista Essencial" tem obras das coleções da Pinacoteca do Estado de São Paulo, do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, do próprio MAM e de algumas poucas de coleções particulares. A distribuição de seus trabalhos entre algumas das principais instituições do país prova a relevância do artista e o reconhecimento que teve, afirma Cauê Alves, curador-chefe do MAM.
Considerado um mestre da cor, Ianelli morreu em 2009, aos 86 anos, não sem antes receber uma grande mostra panorâmica sobre sua pintura, na Pinacoteca, em 2002, outra dedicada à sua fase figurativa, na Faap, a Fundação Armando Álvares Penteado, em 2004, e um livro a respeito de sua obra, naquele mesmo ano.
Ianelli gostava de desenhar desde menino e começou a pintar depois de frequentar o curso noturno da Associação Paulista de Belas Artes, nos anos 1940, e o ateliê de Waldemar da Costa, onde teve contato com outros artistas. Ele começou sua carreira retratando interiores de casas e de igrejas e paisagens de cidades, na década de 1950, momento no qual fez parte do grupo Guanabara, que reunia artistas japoneses como Manabu Mabe e Tomie Ohtake.
Da mesma forma que outros artistas modernos, ele foi aos poucos se desfazendo das formas e adotando a abstração, sempre vinculada à sua experimentação cromática, característica que o levou a ser comparado a Rothko. Em entrevista a este jornal em 2002, Ianelli disse "eu não persigo a beleza; se ela ocorre, é involuntária". "Busco fazer um trabalho profundo ao depurar a cor."
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