FOLHAPRESS - Uma garota observa. Empoleirada em um cedro, espera com alegria a chegada de pedintes à mansão nos subúrbios de Buenos Aires onde passa os verões. No interior da casa, descansa sua aristocrática família, que participara, direta ou obliquamente, da história do primeiro centenário da Argentina.

Nessa imagem, Mariana Enríquez concentra elementos fundamentais de seu perfil de Silvina Ocampo: escondida, mas atenta aos fatos; atraída pelo desviante; fascinada pela infância.

"A Irmã Menor: Um Retrato de Silvina Ocampo" não é uma biografia stricto sensu da aclamada escritora argentina. Como anuncia o subtítulo, pretende ser um retrato -talvez como aqueles que Ocampo, que estudou pintura em Paris com Fernand Léger, fazia de seus amigos.

Embora se inicie na infância rebelde de Silvina, nascida em 1903, e termine com seu pouco concorrido enterro em 1993, o perfil não é cronológico. É, antes, um inventário de temas, dividido em 26 capítulos ou pequenos ensaios autônomos, que funcionam como esboços que tentam captar um modelo elusivo.

Cultivadora do mistério em sua própria literatura, Mariana Enriquez abraça as ambiguidades de sua perfilada. Este não é, portanto, um livro para quem busca respostas sobre as polêmicas que rondam Ocampo. Polifônico, nutrido com testemunhos, estudos críticos, biografias, cartas e entrevistas, só faz crescer o mito.

Questiona, isto sim, o lugar-comum de que Silvina foi ofuscada pelas figuras maiúsculas que a circundavam: o marido Adolfo Bioy Casares, o amigo Jorge Luis Borges e a irmã Victoria Ocampo, fundadora da revista literária Sur.

Enriquez simpatiza com o argumento de que a escritora se mantinha à sombra como estratégia para preservar a liberdade de sua vida pessoal e de sua escrita singular. "Silvina é secreta", afirma.

Voluntária ou não, essa opacidade existiu. Ocampo não viu seus livros traduzidos e teve uma presença midiática limitada. Além disso, foi negligenciada por décadas pela academia, em parte por ser considerada uma "escritora oligárquica".

Só recentemente a originalidade de suas obras foi reivindicada. Ser rica numa família sem herdeiros homens parece ter neutralizado muitas das limitações criativas que poderia ter sofrido como mulher. Essa liberdade a tornava indiferente ao feminismo, do qual não compreendia a necessidade.

Também são contraditórios os relatos sobre sua vida amorosa. Amigos próximos confirmam sua bissexualidade, outros a negam. Alguns estão seguros de que manteve uma relação com Alejandra Pizarnik -também biografada por Enriquez-, enquanto outros argumentam que o amor não correspondido por Ocampo teria motivado o suicídio da poeta.

Se tampouco fica claro se Ocampo se sentia agredida pelas incontáveis relações extraconjugais de Bioy Casares ou se estas eram fruto de um acordo, fica estabelecida a dependência afetiva entre eles e a funcionalidade profissional do casal. Isso não impedia que Ocampo estivesse relativamente isolada no grupo da Sur e até dentro de casa, tendo que defender Baudelaire do deboche de Borges e Bioy Casares durante o jantar.

Para demarcar a peculiaridade de Ocampo dentro da célebre tríade, Enriquez exagera ao pretender que o conto "Visões" desminta o "antiperonismo teatral e desagradável" plasmado no poema "Testimonio para Marta". O que não invalida sua observação de que a prolífica escrita de Ocampo -que varreu cinco décadas e resistiu aos primeiros sintomas do Alzheimer- é, como tudo nela, ambivalente. Formal e até piegas na poesia, torna-se exuberante, cruel e imaginativa em sua prosa povoada de crianças violentas e violentadas, monstros e metamorfoses.

Só há um ponto pacífico em "A Irmã Menor". Silvina Ocampo foi, e sua literatura é, fora do comum. Com linguagem mais acessível que a dos trabalhos acadêmicos, esse retrato se inscreve no movimento de valorização tardia de sua obra como um perspicaz acesso à casa de espelhos que Ocampo construiu para si mesma.

**A IRMÃ MENOR: UM RETRATO DE SILVINA OCAMPO**

Preço R$ 58,90 (244 págs.)

Autor Mariana Enríquez

Editora Relicário

Tradução Mariana Sanchez


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