FOLHAPRESS - A cineasta Júlia Rezende se especializou em um tipo de comédia que reúne o que grande parte dos diretores adoraria, mas costuma ter dificuldades para executar. Há um aspecto inegavelmente popular em suas obras -ao menos que dialoga com um público brasileiro urbano e de classe média, que é sobre o qual ela fala e, ao que parece, a quem seus filmes se destinam. O que lhe permite uma certa sofisticação de que comédias mais massificadas em geral precisam abrir mão.
"A Porta ao Lado" não é exatamente uma "comédia", mas volta a trazer elementos de filmes anteriores de Rezende, como "Meu Passado me Condena", de 2013, focando em problemas de relacionamentos a dois.
Desta vez, a trama se concentra em dois casais vizinhos. Um deles é mais convencional, ainda que não seja de todo "careta" -Mari, vivida por Letícia Colin, é chef de um restaurante gourmet, e Rafa, interpretado por Dan Ferreira, é um funcionário de um banco. Eles se amam, mas o romance anda estagnado.
Seus novos colegas de andar são bem mais descolados, com comportamento em algum lugar entre o hipster e o ripongo; Ísis, vivida por Bárbara Paz, e Fred, papel de Túlio Starling, vivem de vender produtos orgânicos que cultivam em uma fazenda. Mantêm um relacionamento aberto -desde que, é claro, também não fiquem sabendo em detalhes o que o outro tem feito em camas alheias.
Nas primeiras cenas, o longa tem um bom andamento, um ritmo agradável. As coisas vão acontecendo aos poucos, e o espectador vai sendo preparado para o inescapável instante em que alguém de um dos apartamentos se envolverá sexualmente com algum dos vizinhos; quanto a isso não há mistério.
As imagens têm uma textura elaborada -são sensuais, embora as cenas de sexo sejam relativamente pudicas. De qualquer modo, a dupla Mari e Rafa vai logo se abrindo mais a novas experimentações sexuais -ao mesmo tempo em que Ísis e Fred percebem que talvez um relacionamento um pouco mais tradicional fortalecesse os laços entre eles.
Fundamentalmente, é um longa sobre desejo feminino, sobretudo de uma mulher trintona. Mari é a real protagonista, e é no despertar sexual dessa personagem que o filme se concentra. É também no aspecto psicológico dela que o roteiro se debruça com mais fôlego. Mari é uma mulher insegura, introvertida -escolheu se tornar chef de cozinha porque, assim, não precisaria ficar o tempo todo na sala de estar com as outras pessoas.
"Eu fujo das coisas", ela mesmo diz. Mas a insistência do filme em apresentar essa peculiaridade da personagem por vezes mais nos confunde do que nos ajuda a compreendê-la -ou será que o filme nos diz que seu envolvimento com o vizinho é apenas uma de suas tentativas de fuga de sua própria vida? É só isso que faz uma mulher buscar um parceiro fora do casamento?
O longa também se dispersa quando começa a querer dar conta de questões paralelas que não são devidamente elaboradas. As discussões sobre uma mulher optar por ter ou não filhos ou mesmo a questão do aborto, embora sejam assuntos coerentes com o assunto central do longa, surgem apenas como citações a temas importantes sobre uma vida em casal, sem o necessário aprofundamento.
Há uma cena especialmente mal resolvida, quando Rafa se enfurece com Mari quando a moça surge com um vibrador para apimentar a relação. De repente, a briga desemboca em um confronto identitário entre os cônjuges, em que Rafa diz que sofre muito mais por ser negro e de origem pobre do que a namorada, em sua condição de mulher.
A ideia era ressaltar o quanto o machismo é um traço firme, mesmo em homens que sofreram opressão em outras áreas, mas a discussão surge na cena de maneira tão abrupta, atrapalhada, que dá a impressão de estar ali apenas para os roteiristas inserirem na obra questões antenadas no mundo moderno.
O grande destaque deste filme eficiente, porém irregular, são mesmo as atrizes. Letícia Colin parece sempre infalível, e Bárbara Paz traz um pouco de alegria e descontração a uma obra que por vezes pende em excesso para a gravidade. Sem ela, o filme poderia ser mecânico e sem graça como sexo rotineiro.
A PORTA AO LADO
Onde Nos cinemas
Classificação 14 anos
Elenco Letícia Colin, Bárbara Paz e Dan Ferreira
Produção Brasil, 2022
Direção Júlia Rezende
Avaliação Bom
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