SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um homem vestindo apenas samba-canção e um harness, que entrelaça seu peitoral com força, esfrega a virilha cheio de desejo numa televisão de tubo, que dispara tons de azul, vermelho e amarelo para iluminar o resto da sala. Nela, outros rapazes musculosos cobertos de suor e couro dançam como se estivessem num estado de transe, numa espécie de sonho erótico estranhamente fascinante.

É como se as luzes, em sua efervescência e descontrole, convidassem o espectador para dormir e, assim, participar do êxtase ao qual os personagens de "Please Baby Please" se entregam despudoradamente, enquanto adoram uma única mulher posicionada no meio da tela -mais como diva do que objeto de cobiça, já que a regra ali é estar no avesso da heteronormatividade.

Premiado no Outfest, um dos principais festivais de cinema queer do mundo, que acontece em Los Angeles, o filme de Amanda Kramer é difícil de enquadrar numa sinopse. Talvez a melhor delas seja a lista de influências, conscientes ou não, que a cineasta seguiu.

A essência de "The Rocky Horror Picture Show" guia a narrativa de um casal padrãozinho que descobre um mundo de tensão e tesão à sua volta, passando a questionar a cartilha de valores que lhe foi imposta.

"Pink Narcissus" oferece o visual de cores saturadas e fora de contexto que empurra os protagonistas rumo ao desejo. A arte homoerótica de Tom of Finland, por sua vez, veste a gangue de motoqueiros que provoca a mudança, com suas calças apertadas e os torsos vazando da jaqueta entreaberta.

Contrariando expectativas, Kramer adicionou à receita uma pitada de um de seus filmes favoritos, mas distante da óbvia fonte LGBTQIA+, "Beetlejuice" ou "Os Fantasmas se Divertem". Com sua indecisão entre o horror e a diversão, a fantasia de Tim Burton contaminou "Please Baby Please" com roxos e um humor desvairado, que finge ingenuidade.

Ele se mostra em cenas como aquela em que um tipo rebelde, de jaqueta de couro e olhar nocivo, apoia o braço na cabine de um banheiro e, quase que em rodopios, vai chegando perigosamente perto do rapaz certinho.

As entradas definidas do abdome escapam da camiseta cropped, convidando o outro para um passeio pelo mau caminho. E ele, sem jeito, só consegue dizer que o clarinete que apareceu mais cedo tocando, infelizmente, está quebrado. Uma pena para alguém com dedos tão ágeis, responde o bad boy.

"Please Baby Please" também é musical, mas sem os grandes números e espetáculos comumente vistos no gênero, que tem seus problemas, a cineasta reconhece, mas que é apaixonante.

"A música fala com a nossa alma. Quando você vê isso num filme, é como se tivesse seu espírito elevado. É um botão de prazer. O filme pode ser retraído, assustador ou qualquer outra coisa -se há música, existe um elemento de prazer", diz Kramer. "E os musicais ainda são ótimos objetos antropológicos, no sentido de nos ajudarem a entender a cultura de uma determinada época."

O longa está posicionado em algum lugar dos anos 1950, seus figurinos sugerem, mas não impõem. Quando a música cresce, no entanto, é mais para aturdir e seduzir do que para contar a história. Não há grandes espetáculos ou coreografias. "Please Baby Please" todo, na verdade, é mais uma experiência letárgica do que uma narrativa clássica.

"Quem te fez, um anjo ou um demônio?", pergunta o protagonista certinho, enfeitiçado pelo machão da jaqueta de couro, em determinado momento. Mas ele poderia muito bem trocar as palavras por sonho ou pesadelo. Afinal, ainda não decidiu o que representa a saída do casulo monótono em que vivia, em direção a outras possibilidades no amor e no sexo.

É curioso que o personagem que traça esse caminho seja vivido por Harry Melling, ator que conheceu a fama ainda criança, como o primo mimado e detestável de Harry Potter nos filmes sobre o bruxinho. Aqui, ele é o perseguido da vez -mas não por algo ruim, só por algo que não entende, mas que se mostra cada vez mais delicioso.

Se juntam a ele Andrea Riseborough, recém-saída da disputa pelo Oscar de melhor atriz, como a mulher firme e também abatida pelo desejo, e Karl Glusman, que já mostrou muito mais de seu corpo em outra fantasia erótica, "Love", catarse sexual de Gaspar Noé exibida em 3D nos cinemas. Demi Moore ainda faz uma participação especial, mas nem por isso menos espalhafatosa.

PLEASE BABY PLEASE

Quando Estreia nesta sexta (31) na Mubi

Classificação Não informada

Elenco Andrea Riseborough, Harry Melling e Demi Moore

Produção EUA, 2022

Direção Amanda Kramer


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