SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Lyor Cohen deve ser um dos executivos mais poderosos da indústria musical: desde 2016, ele é diretor global do YouTube Music. Antes disso já acumulava poder, mas em gravadoras: Cohen teve uma longa carreira no hip hop, chegou a presidir o lendário selo Def Jam e é considerado um dos responsáveis pela expansão mundial do gênero.
Ele está de passagem pelo Brasil, já encontrou artistas nacionais como a MC Dricka e participou nesta quarta-feira (12) da Rio2C, conferência da indústria criativa na capital fluminense.
Cohen é descendente de uma família de quatro irmãos judeus que fugiram da Ucrânia para o Brasil no começo do século 20 e se instalaram em Natal -um parente ilustre era o Abraham Palatnik, pioneiro da arte cinética morto em 2020.
Entre uma tarefa e outra no país, Cohen recebeu a reportagem da Folha para um café da manhã no hotel onde se hospedou, na zona sul do Rio. E aproveitou para disparar críticas ao que vê como uma das maiores ameaças à criação cultural hoje: a disseminação dos vídeos curtos. Como os do TikTok.
"Estou muito preocupado com isso", diz, sem citar o nome da rede social chinesa.
O assunto vem à tona quando o executivo é questionado sobre o serviço YouTube Shorts, justamente uma seção de vídeos curtos, criada pela plataforma do Google em 2021 -mesma época em que o Instagram passava a apostar no formato, com os "reels", diante do crescimento do aplicativo chinês.
Para Cohen, a estratégia do YouTube com os "shorts", hoje com 50 bilhões de usuários, é diferente do que o TikTok faz.
"Nosso foco é o multiformato, usar os 'shorts' como uma ferramenta de descoberta. Ajudamos os jovens a achar a trilha sonora da juventude deles com essa ferramenta, mas não queremos eles presos lá, queremos um engajamento mais profundo", afirma.
"O que eles [o TikTok] têm é um barato ligeiro. Não queremos um barato ligeiro, mas que os 'shorts' sejam como um aperitivo."
Ou seja, a ideia é que os shorts sejam a porta de entrada para vídeos mais longos, como videoclipes, shows e entrevistas.
Questionado se vê algum impacto estético do TikTok na indústria musical, com artistas se sentindo pressionados a produzir canções com perfil para estourar na plataforma chinesa, Cohen fala "esperar que isso não seja verdade".
"Sei que alguns artistas devem fazer isso. Mas não gosto de quem faz música para caber em formatos. Gosto de quem tem como combustível a criação de uma bela música, construindo uma relação com os fãs, tocando ao vivo..."
No começo do YouTube, a relação dos artistas e gravadoras com a plataforma foi de desconfiança. Havia quem acusasse o site de render menos direitos autorais do que outros serviços ou quem duvidasse da capacidade de ser lucrativo.
Hoje, para música, a plataforma tem o serviço grátis -ou "pago com as visualizações", como Cohen prefere falar--, com rendimentos vindos da publicidade, e o de assinaturas, que já passou de 80 milhões de assinantes.
"Se você compara um sistema e assinaturas a um sustentado por publicidade, algumas pessoas vão querer dizer que um ou outro é menos valioso. Mas isso é comparar alhos com bugalhos", afirma Cohen. "A indústria musical estaria devastada se não fosse esses dois modelos funcionando ao mesmo tempo."
Nesse ecossistema, o tipo de conteúdo costuma ser classificado em dois tipos: o premium, que são os vídeos profissionais postados por artistas, por exemplo, e o chamado conteúdo gerado por usuários, ou UGC na sigla em inglês -nesse grupo ficam as pessoas comuns que pegam um banquinho e um violão e postam algum hit do momento na plataforma.
"Trinta porcento das receitas vêm de UGC. Antes, isso era um palavrão. A indústria da música lutava contra nós por isso", lembra o executivo.
"Eu argumento que esse tipo de conteúdo é mais valioso do que uma audição passiva. É um sinal mais forte para a gravadora e o artista de que alguém está gostando da música a ponto de investir tempo para criar algo usando aquela canção."
Nos últimos anos, música não tem sido o único negócio de serviços de... música. Muitas plataformas passaram a investir em podcasts originais, explorando diversos formatos. Os vídeos de podcasts ou os cortes, aliás, são algo relevante dentro do YouTube. Mas Cohen diz que não vê a empresa investindo em conteúdo original nessa área.
"O YouTube é o maior abrigo de podcasts do mundo. Sem nem tentar sê-lo. Agora vamos organizar um jeito mais intuitivo e fácil de as pessoas ouvirem", diz ele.
*O repórter viajou a convite da Rio2C
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