SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A guerra na Ucrânia preocupa o mundo, incluindo o artístico. Festivais e premiações de cinema incluíram produções que refletem a invasão do país pela Rússia.

No último Oscar, foram indicados dois documentários críticos da guerra e de Vladimir Putin -"A House Made of Splinters", sobre um orfanato ucraniano, e o vencedor "Navalny", dedicado ao ativista Alexei Navalni.

Mas, segundo Evgeny Afineevsky, há algo errado. Na programação do É Tudo Verdade com "Liberdade em Chamas", filme sobre a guerra, o diretor israelita-americano diz que a indústria limita o destaque a produções dedicadas ao conflito agora em curso na Europa.

Ele recusa a definição de censura, mas afirma que documentários sobre o conflito sofrem para ser distribuídos.

"Se você olha os dois filmes ['A House Made of Splinters' e 'Navalny'], nenhum deles fala da Ucrânia, da guerra ou da atual situação", afirma o cineasta. "Há uma neutralidade política que impede os documentários de serem vistos. Pode haver 1 milhão de motivos e podemos especular até amanhã sobre esse silêncio, do investimento de Hollywood na China [aliada política da Rússia] à fadiga do público."

A preocupação pelo apagamento levou o diretor de volta ao país. Afineevsky já havia filmado em 2014 a revolta na praça Maidan, manifestação civil contra o então presidente Viktor Yanukovich. O oficial era acusado de estar aparelhado a Putin, que tem interesse em anexar o país à Rússia de novo.

O resultado foi o filme "Winter on Fire: Ukraine's Fight for Freedom", de 2015, que alçou o documentarista à fama e acabou sendo indicado ao Oscar.

Na época, Afineesvsky acreditava que o filme seria o primeiro capítulo de uma história de liberdade para o povo ucraniano e tinha convicção de que outros continuariam registrando os eventos.

Mas, segundo ele, o mundo falhou em prestar atenção à Ucrânia, bem como destacar os esforços de colegas em documentar a situação.

Esse caminho levou o país à guerra, e as primeiras notícias da invasão russa despertaram no documentarista a urgência de voltar ao assunto.

Ele não é o único. Toda a equipe criativa de "Winter on Fire" foi chamada para "Liberdade em Chamas". O filme também preserva o subtítulo do anterior, "A Luta da Ucrânia por liberdade", para indicar a continuidade do processo.

"É exatamente o mesmo time", conta o diretor. "A única diferença é que nós estávamos na pressa, então o montador está supervisionando outros oito editores. Eram cinco editores na Ucrânia, dois em

Praga e dois nos Estados Unidos, trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana."

A produção foi rápida, começando em fevereiro e com a estreia em setembro, durante o Festival de Veneza. Mas o público do É Tudo Verdade assistirá uma versão maior do filme, porque Afineevsky relançou o documentário no Festival de Munique, com a linha do tempo atualizada até fevereiro deste ano.

O longa foi uma operação complexa. O diretor e a equipe viajaram a diferentes regiões do país e entrevistaram várias frentes da resistência ucraniana. Isso inclui os soldados e jornalistas, mas vale em especial para o povo, que ocupa boa parte das quase duas horas de documentário.

Afineevsky diz que voltou a entrevistar boa parte das pessoas que foram mostradas em "Winter on Fire", mas procurou novos personagens. A ideia era ligar os pontos entre 2014 e 2022, com o momento presente à frente. A guerra de narrativas de Vladimir Putin foi outra questão.

"É uma guerra híbrida. Há o conflito, com mísseis e bombas matando pessoas, e há a informação, onde a verdade se tornou commodity. A máquina de propaganda russa usa o livro de Joseph Goebbels na Segunda Guerra, onde a verdade é o inimigo do Estado e Putin é o país. Eles inflam uma mentira e a repetem até que se torne verdade para o povo."

Entre as idas e vindas na região, mal se vê no documentário o presidente ucraniano Volodimir Zelenski. Ele aparece em só duas cenas de "Liberdade em Chamas", ambas em vídeos para as redes sociais.

Afineevsky diz que não tem uma rixa com Zelenski. Eles se conheceram em 2016 e mantêm uma boa relação. O diretor até o parabenizou, quando o político venceu as eleições.

"Ele é um grande ucraniano, mas eu queria exibir uma nação de heróis, pessoas normais que precisam ser ouvidas", afirma o cineasta. "Tomei a decisão de mostrar Zelenski como um homem. Queria que o filme o mostrasse emocionado e humano, como qualquer outro cidadão."


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