SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A cantora canadense Leslie Feist, mais conhecida apenas pelo sobrenome, flertou com o estouro de sua carreira em mais de uma ocasião. Dona de uma voz doce, ela foi um dos nomes de uma faceta meiga do indie dos anos 2000 com hits como "1234" e "Mushaboom" -imortalizada na trilha sonora do filme "500 Dias com Ela", de 2009-, além da participação no megagrupo Broken Social Scene e da colaboração com o duo norueguês Kings of Convenience.

Não só a voz desse nicho, ela foi indicada a quatro Grammy em 2008, incluindo artista revelação e performance feminina no pop, que perdeu para "Rehab" de Amy Winehouse.

Mas, diante da fórmula para o sucesso mainstream, Feist sempre deu meia-volta e preferiu explorar sonoridades que ela julga interessantes àquilo que poderia fazer sucesso comercial garantido. Mesmo em apresentações ao vivo, a aposta foi essa, caso de uma vinda ao Brasil em 2012, no Cine Joia, em São Paulo, quando a cantora se afastou de entoar seus grandes hits.

De novo, é o caminho que ela propõe em "Multitudes", seu sexto álbum de estúdio, lançado nesta sexta-feira nas plataformas digitais, seis anos depois de "Pleasure", seu último lançamento.

"Nunca sei qual música vai ressoar com as pessoas", diz, em entrevista por videoconferência. "Não acho que vá existir um zeitgeist em que uma música se torne um grande sucesso. Eu ficaria bem mais feliz se as pessoas achassem sozinhas uma música que as ajudasse a superar momentos difíceis."

Apesar do pedido pela solidão reflexiva, "Multitudes" chama atenção por usar recursos de sobreposição de voz que lembram corais, sem se desgarrar da voz aveludada que é marca registrada de Feist.

O novo álbum, como grande parte da produção musical lançada nos últimos anos, foi impactada pela pandemia. O dedilhado no violão de nylon da cantora cria uma sonoridade intimista, mas nada simples e nem minimalista, afastando-a da proposta clean do disco anterior, "Pleasure", de 2017.

"Eu estava isolada pela pandemia e tinha esse violão de nylon, que é muito macio. Bem, você está no Brasil, então você conhece essa expressão macia desse tipo de violão", comenta a artista.

Mas Feist afirma que, mais do que o vírus e os instrumentos que tinha à sua disposição durante o isolamento social, sua forma de compor foi fortemente alterada pela maternidade, fato relativamente novo quando ela começou a pensar nas canções.

"Foi como se uma névoa descesse sobre mim e eu não conseguisse me encontrar. Agora eu precisava ser uma fonte eterna de presença e cuidado, além de modelo de como viver, para esse pequeno ser. Eu precisava manter meu sistema nervoso calmo para que eu pudesse envolver essa criatura em calma", diz a artista. "Nada disso era familiar ou confortável para mim. Então escrever se tornou uma forma de me situar."

Feist viveu, no ano passado, um episódio polêmico envolvendo Win Butler, líder da banda Arcade Fire acusado de assédio sexual. A cantora participaria de uma turnê com o grupo quando as denúncias vieram à tona e chegou a fazer uma apresentação mesmo depois das revelações. Ela anunciou que doaria os lucros de venda de merchandising para instituições que combatem a violência sexual. Finalmente, ela decidiu abandonar a turnê no meio do caminho.

Ela comentou o episódio ao Irish Times e disse que sentiu que teve uma experiência de estar fora do próprio corpo no show que fez em Dublin depois das denúncias e que seu corpo apenas cantava as músicas.

A feminilidade aparece de formas mais ou menos diretas nas canções do novo disco. Faixas como "Of Womankind", com figuras como sprays de pimenta e músicas de protesto, escancaram uma insatisfação com a desigualdade de gênero.

"Pensei no exemplo que eu gostaria de ser um dia. É como uma conversa comigo e com minhas amigas dentro de 30 anos, como uma forma de ver esse momento de uma perspectiva em que somos idosas. É uma mensagem de mim mesma no futuro", disse à reportagem.

De futurista, só as palavras. O disco continua na boa e velha tradição da voz e violão que a consagraram -e continuam a funcionar para ela.

Mas Feist diz que, apesar de enxergar um início de renascença do interesse no violão por públicos mais jovens, ela se sentia fora de moda quando a cultura de DJs imperava.

"Todos os meus amigos se interessaram por samples e se mudaram para Berlim", diz. "Eu me sentia cafona com meu violãozinho, mas agora existe uma volta disso e é fantástico, é inspirador."


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