SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Jarros de barro usados para buscar água nos rios, serrotes da colheita de algodão e rodas de fiar centenárias são alguns dos objetos expostos em Chapada do Norte, em Minas Gerais, para contar a história de comunidades quilombolas do Vale do Jequitinhonha.

Em cartaz até 8 de julho, a exposição "Quilombos do Vale do Jequitinhonha: Resistência, Cultura e Memória" narra o modo de vida tradicional da região. Durante três anos, o projeto que resultou na mostra entrevistou 1.200 pessoas, em 60 comunidades quilombolas, espalhadas pelos municípios de Chapada do Norte, Minas Novas, Berilo e Virgem da Lapa, cidades que têm de 11.000 a 31.000 habitantes.

Ao lado dos artefatos da mostra, estão fotografias do cotidiano no quilombo e vídeos de entrevistas com moradores que guardam parte da história passada oralmente desde a formação das comunidades, no século 19, no período pós-abolição.

O Vale do Jequitinhonha concentrou um grande número de pessoas escravizadas, devido à mineração. Após a Lei Áurea, de 1888, agrupamentos familiares começaram a se instalar na região, que preserva até hoje traços da religiosidade, da música e da culinária de séculos atrás.

O congado é uma das principais manifestações culturais do local. A festa religiosa afro-brasileira expressa devoção a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia, três santos negros que tiveram papel importante na formação de irmandades criadas no século 19.

Cantigas, dança e encenação da vida dos santos homenageados guiam o cortejo. Em Chapada do Norte, cidade a 534 quilômetros de Belo Horizonte, a rainha é quem lidera o desfile. sua figura se destaca pois é ela quem levanta a bandeira do congado e guia o cortejo usando um longo vestido branco acetinado, vestimenta que também faz parte da exposição.

Agricultora e mãe de seis filhos, Geni Soares, de 62 anos, é líder da celebração. Ela conta ter passado toda a vida acompanhando a festa, mas a oportunidade para participar dela veio apenas em 2015, quando ocorreu uma votação que a tornou rainha.

Sua primeira reação foi de medo. Na época, lembra, a tradição estava enfraquecida. "O congado só tinha cinco pessoas. Não tinha sanfona, nem tocador, nem pandeiro, e a festa chegando."

Nesses oito anos, ela conta ter visto a tradição reconquistar importância. Geni se diz orgulhosa de seu trabalho porque, mesmo sem estudo formal, consegue dar continuidade a uma tradição.

Com 40 pessoas e novos instrumentos, o cortejo liderado por Geni já se apresentou em municípios da região do Jequitinhonha, na capital mineira e no Rio de Janeiro. Seus filhos já não moram mais em Chapada do Norte, mas vão a todas as festas prestigiá-la.

O congado faz parte do sincretismo religioso, que une ritos católicos e de matriz africana ou indígena, afirma Yara Alves, antropóloga e professora de história da África e cultura afro-brasileira e africana na Universidade do Estado de Minas Gerais. "O catolicismo negro se formou em Minas de maneira muito intensa. Isso fez com que essas manifestações existam há mais de 200 anos."

Segundo a pesquisadora, essa manifestação cultural já existia no continente africano, inspirada no cortejo aos reis congos. "O congado não é uma tentativa de imitar a coroa portuguesa, como alguns pensam, mas de recriar um processo de África, do reino do Congo, que é invisibilizado e apagado."

O Sudeste teve forte presença de povos vindos da região central da África, os bantos, do território que hoje corresponde a países como Congo e Angola.

Devido à falta de documentação sobre a diáspora africana, diz Yara, é difícil precisar as mudanças que festejos como o congado tiveram ao longo do tempo. Por isso, o registro e a divulgação são essenciais. No entanto, para que o resultado seja satisfatório, as comunidades devem ser tratadas com respeito quando se tornam objetos de pesquisa, acrescenta.

Presidente da Associação Comunitária de Chapada do Norte, Maria Aparecida, de 47 anos -a Cida, como prefere ser chamada- compartilha da mesma opinião. "Vem muitas pessoas de fora, se informam sobre nossa história, tiram foto, vão embora e a gente nunca mais vê", conta. "Fica só na memória. Essa abordagem não deixa nada para a comunidade."

Segundo Evanize Sydow, coordenadora-geral do projeto Quilombos do Jequitinhonha, todas as comunidades receberam os resultados da pesquisa. "O material funciona como instrumento de luta para processos de certificação."

Berilo, Minas Novas e Virgem da Lapa são os outros municípios por onde a exposição deve passar ainda este ano. No início do próximo ano, a mostra deve ir para Belo Horizonte e, depois, Brasília.

EXPOSIÇÃO QUILOMBOS DO VALE DO JEQUITINHONHA, RESISTÊNCIA, CULTURA E MEMÓRIA

Quando Segunda a sábado, das 9h às 17h, até 08 de julho

Onde Rua Francisco de Assis Costa, 451, Chapada do Norte (MG)


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