SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Frank Miller está em greve. O quadrinista de 66 anos, que está no Brasil participando do evento de cultura pop Imagineland, em João Pessoa, pode falar sobre seus trabalhos nas histórias em quadrinhos --mas nada sobre seus projetos de cinema e TV, dada a greve dos roteiristas e dos atores nos Estados Unidos.
"Estamos sendo obstinados", diz o artista em entrevista à reportagem por telefone. Miller já assinou roteiros de filmes como "RoboCop", "Sin City" --adaptação do quadrinho noir criado por ele próprio-- e "The Spirit". "Agora mesmo eu estou usando a camiseta [da greve]. Estamos esperando por um acordo justo. Os executivos que paguem melhor aos artistas e escritores que criam para eles."
Os roteiristas brigam com os estúdios de Hollywood em busca de melhores remunerações e condições de trabalho, além de não serem substituídos por inteligência artificial. Miller não pode, portanto, comentar o retorno da atriz Jennifer Garner ao papel da icônica ninja assassina Elektra nos cinemas após 20 anos, desta vez em "Deadpool 3", bem como a adaptação de "Sin City" para a TV teve de ser congelada.
Por outro lado, a produção dele em HQs segue quente. Ele está empolgado com a sequência de "Ronin", um dos vários títulos cult de seu currículo. O quadrinho de estética samurai cyberpunk foi lançado pela DC em 1983, a mesma década em que ele ajudou a mitologia dos super-heróis a amadurecer.
Seu trabalho nas páginas de Demolidor, o vigilante cego da Marvel, elevou o personagem à elite da editora e rendeu histórias importantes para o cânone dela, como "A Queda de Murdock" e "O Homem sem Medo". Miller, à época com 20 e poucos anos, injetou violência, sexo e decadência urbana às aventuras noturnas do Demolidor.
Quando ele decidiu que Elektra seria morta em combate contra o Mercenário, antagonista do Demolidor, muitos leitores ficaram inconformados com o destino dela. O quadrinista chegou a levar ao FBI cartas de fãs com ameaças de morte.
"Foi muito divertido para todo mundo que trabalhou nisso", diz. "Jim Shooter, Dennis O'Neal, Klaus Janson... Foi árduo, porque ficávamos o tempo todo fazendo o quadrinho, mas quando ele deslanchou, se tornou uma alegria trabalhar nele."
Ainda nos anos 1980, ele entregou outras obras importantes, como "Eu, Wolverine", "Elektra: Assassina" e, para o Batman, da DC, "O Cavaleiro das Trevas" e "Ano Um". Passados 40 anos --e sua consolidação como uma lenda viva dos quadrinhos--, o artista já viu o mercado passar por muitas transformações.
Desde a estreia de "X-Men" nos cinemas, há pouco mais de 20 anos, os super-heróis são a base de Hollywood e o centro da cultura pop --a adoração a esses personagens não está mais restrita aos leitores de gibis.
"Acho isso ótimo", afirma. "Há muito tempo nós buscávamos mais aceitação. E isso é um sinal de que Hollywood é capaz de fazer de tudo na tela agora. Eles podem fazer coisas que antes nós desenhávamos. Esses filmes se tornaram o seu próprio gênero, assim como o faroeste."
Hoje, o fervor também se manifesta na demanda por outro tipo de aceitação. Na última década, Marvel e DC capricharam na valorização de personagens que refletem o leitorado além do homem branco e heterossexual --o que, para Miller, confirma uma vocação que a mitologia dos super-heróis sempre teve.
"Desde o início, fazemos histórias sobre pessoas de outros planetas, que podem voar, dobrar aço com as próprias mãos e viajar pelo espaço", diz.
O artista se tornou um especialista na figura do vigilante violento, mas crê que ela não se tornou obsoleta.
"Super-heróis nunca ficam ultrapassados, e os vigilantes são apenas um tipo deles", afirma. "Só porque você não gosta de algo que ele faz, não significa que toda a ideia [que rege a história] seja ruim. Os heróis lutam pelo que é certo, e não apenas reagem violentamente ao que acontece ao redor deles. Faça o seu próprio julgamento."
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