RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Marcada pela polarização entre dois candidatos indígenas, Daniel Munduruku e Ailton Krenak, a eleição para a cadeira número cinco da Academia Brasileira de Letras acontece na próxima quinta-feira (5), e traz mais uma personagem de destaque na disputa: a historiadora carioca Mary Del Priore, 71.

Doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pós-doutora pela pela École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris, Mary tem quatro prêmios Jabuti em sua estante e diz ter aceitado o convite para se candidatar à ABL porque a vaga foi aberta com a morte de José Murilo de Carvalho, historiador como ela.

Mary acompanhou a desavença pública entre seus concorrentes publicada pela Folha na última terça-feira, e diz torcer para que a briga entre Krenak e Munduruku não mude o rumo do resultado da eleição, ainda que o clima bélico entre os dois possa vir a beneficiá-la. "Que seja eleito aquele que for mais útil para a ABL". Ela concedeu a seguinte entrevista à Folha de S.Paulo:

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Pergunta - Fala-se muito na disputa entre Ailton Krenak e Daniel Munduruku à cadeira cinco da ABL. Você está no páreo, apesar de, aparentemente, não ser favorita. Acha que consegue virar o jogo?

Mary Del Priore - As eleições não são partidas de futebol onde se vira o jogo. No caso da ABL a disputa é para se escolher quem possa contribuir para a missão de trabalhar pelas letras, pela língua e pelo conhecimento. Todos os inscritos têm algo a oferecer.

P. - E o que te credencia a esta vaga?

M. P. - O que me credencia? Minha obra.

P. - É verdade que te estimularam a abrir mão da candidatura porque a ABL quer sinalizar seu apreço pelas pautas identitárias: eleger um índio agora e, em seguida, uma escritora negra?

M. P. - Essa informação é falsa e, ao contrário, fui convidada a participar da eleição. O que me levou a aceitar foi a característica da vaga. Tal como ocorreu com a vaga de Ivo Pitanguy, que foi preenchida por um médico, pensei que seria normal a de um historiador ser preenchida por um historiador. Aliás, há dezenas de excelentes colegas que brilhariam nessa seleção.

P. - Acha que faltam mulheres na Academia?

M. P. - Sim, faltam mulheres na ABL e na vida pública em geral. Pois fora dela, e segundo o IBGE, somos 51,1% da população.

P. - O que achou da briga entre Munduruku e Krenak pela "vaga indigena"? Esqueceram que você está na disputa?

M. P. - Tenho certeza que ambos irão superar um momento natural de desgaste. Os interesses dos povos originários são maiores e eles sabem disso. Ambos os representam.

P. - Caso não se eleja agora, pensa em se candidatar de novo futuramente?

M. P. - Sou sempre convidada a integrar as academias as quais pertenço. Se for novamente convidada, será um prazer trabalhar para que Letras e História se deem as mãos.

P. - Em algum momento pensou em desistir?

M. P. - Sou excelente esportista. Tenho fair-play.

P. - Como trabalha na sua campanha?

M. P. - Minha campanha atendeu as diretivas da casa: carta, envio de livros e telefonema. Sou discreta e quero deixar os acadêmicos à vontade. Jamais me imporia além do rito estritamente necessário.

P. - Como encara o fato de as mulheres da ABL não estarem apoiando você com entusiasmo?

M. P. - Não desejo apoios de mulheres porque sou mulher. Mas porque sou a historiadora que sou. As acadêmicas devem pensar do mesmo jeito.

P. - Em relação aos seus dois principais adversários, Krenak e Munduruku: conhece a obra de ambos? Tem relacionamento pessoal com eles?

M. P. - Não os considero adversários, mas profissionais das palavras que estão lutando, como eu, para levar suas ideias e ações adiante. Conheço bem e admiro sinceramente Daniel Munduruku, cujas obras valorizam a diversidade de nossos país. Além do que, é professor como eu fui. Sei bem as dificuldades que enfrenta quem está no Ensino privado ou público.

P. - A desavença pública dos dois pode te beneficiar?

M. P. - Espero que não. A boa prova é aquela em que todos podem concorrer em situação de igualdade. E que se eleja aquele que for mais útil para a ABL.


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