SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cerca de mil pedaços de plástico, cortados em quadradinhos do mesmo tamanho, perfurados e presos uns aos outros por fios de cobre, formam um mosaico que revela um vaso de flores sobre uma mesa xadrez.
A figura, que remete às naturezas mortas que marcaram a história da arte, permite ao observador mais atento a identificação dos resquícios de rótulos em algumas das peças que, em sua maioria, foram galões Kufuor no passado, popularmente usados em Gana para transportar óleo e combustível, além de estocar água.
Os recipientes, que variam entre tons de amarelo, são a matéria-prima das obras do artista ganense Serge Attukwei Clottey, que expõe dois trabalhos na galeria Simões de Assis, em São Paulo, para a mostra coletiva "The Speed of Grace".
Com curadoria do ganês-americano Larry Ossei-Mensah, a exposição reúne 15 artistas que, em suas obras, refletem sobre a diáspora africana e suas repercussões em diferentes sociedades ao redor do mundo.
No caso de Clottey, a reutilização de materiais descartados como pneus, garrafas, cortiça e madeira tem como objetivo analisar o sistema econômico de Gana ?baseada na troca e na reutilização? e incentivar a reciclagem criativa.
Ao lado do mosaico está "Cetro da Lança da Terra para o Além", de Mestre Didi, em que uma lança, feita com nervuras de palmeiras, miçangas e tiras de couro ?materiais simbólicos do candomblé?, parece despontar do chão.
Mostrar a variedade de procedimentos desempenhados pelos artistas da diáspora foi uma prioridade de Ossei-Mensah, o curador. "Esses artistas sempre inovaram em suas práticas através dos materiais utilizados, indo na contramão da ideia ocidental do fazer arte pelos métodos tradicionais, como a pintura e escultura", diz.
Junto a Mestre Didi, foram escalados para a exposição os brasileiros Emanoel Araújo, com "Oxumaré", escultura de formas geométricas e círculos neon com as cores do arco-íris, e "Ilusão", da jovem artista Larissa de Souza, em que a pintura de uma mulher negra nua aparece puxando do peito uma série de tecidos costurados sobre a tela.
Zéh Palito também integra a mostra com "Along the way to Illinois", pintura em tons de rosa, roxo e verde em que uma pessoa jovem e descolada aparece posando em frente a um caminhão com a bandeira dos Estados Unidos.
Palito, que manuseia com destreza símbolos da cultura pop em suas obras, tem feito sucesso nas galerias de Nova York, segundo Ossei-Mensah, que foi curador de uma de suas exposições recentes na cidade.
"As pessoas se animaram com a sua estética, mas suas obras carregam também muito simbolismo", diz, ao se referir à representação de minorias sociais em cenários que remetem ao tropicalismo brasileiro pelas cores chamativas, a presença de frutas e elementos fantásticos.
Em contraste com a pintura alto astral de Palito está, na parede oposta, um quadro que mostra um casal abraçado diante de uma janela, vestido com uma espécie de véu. Os pés não encostam no chão, passando um ar de melancolia e mistério. Trata-se de "This Too Is", em que Ludovic Nkoth, primeiro de sua família a nascer na Inglaterra, representa seus pais em uma tentativa de investigar o passado na Nigéria.
Também de ascendência nigeriana, Tunji Adeniyi-Jones representará o país da África Ocidental na próxima Bienal de Veneza. O artista está em "The Speed of Grace" com uma pintura marcada pelo estilo que o consagrou mundialmente, em que corpos negros e andróginos são representados quase que mimetizados em fundos padronizados, rodopiantes e coloridos.
A tela de quase dois metros fica ao lado da escultura "The Embrace", do americano Hank Willis Thomas. Em bronze platinado propositalmente para que o espectador veja seu reflexo na obra, apenas os braços de duas pessoas são esculpidos enquanto se envolvem em um abraço. O gesto afetuoso acontece entre Marthin Luther King e sua esposa, Coretta King.
Segundo Ossei-Mensah, muitos dos artistas presentes na mostra nunca tinham sido expostos no Brasil antes. É o caso Amoako Boafo, ganês conhecido por pintar retratos com os próprios dedos. Para a mostra, foi selecionado um quadro seu em que uma mulher negra, vestindo uma blusa estampada com ouriços, está com a mão atrás da orelha enquanto encara o observador.
"Ele fala sobre subjetividade negra, alegria negra. Nessa figura, a mulher parece dizer ?ei, me ouça, ouça as mulheres negras!?", diz Ossei-Mensah. Para o curador, também ganês, a pintura é especial. "Minha família é do povo axante. O ouriço é o símbolo dessa comunidade."
"O significado do animal, que solta vários espinhos quando ameaçado, é que todos os membros da comunidade vão revidar se apenas um for atacado", diz, acrescentando que a a simbologia reforça a coletividade frente ao individualismo exacerbado pelas sociedades ocidentais.
THE SPEED OF GRACE
Quando Seg. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 10h às 15h. Até 21 de outubro
Onde Galeria Simões de Assis - al. Lorena, 2.050, São Paulo
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