PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - "Quanto mais difícil de viver, melhor de escrever depois". Foi assim que a escritora Natalia Timerman definiu sua jornada literária por temas como a morte do pai e o Alzheimer da mãe.
Timerman dividiu uma mesa na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) com a escritora irlandesa Sinead Gleeson, nesta quinta (23).
Dos 13 aos 17 anos, quando deveria estar indo a festas com amigos, Gleeson entrava e saía de hospitais para se submeter a inúmeras cirurgias por causa de um problema ósseo. Depois, foi diagnosticada com leucemia.
Timerman, autora de "O Copo Vazio" e "As Pequenas Chances", tem como foco o luto. Gleeson escreve sobre a mortalidade. As duas autoras conseguem fazer com que suas tragédias pessoais ressoem de forma profunda com leitores.
"Sempre tenho aquele medo e penso --será que alguém vai se interessar por isso?", disse Gleeson, autora de "Constelações", livro de ensaios sobre a doença e o corpo feminino, que lançará em breve seu primeiro romance. "Mas mesmo que sejam histórias diferentes, as pessoas que não te conhecem acham coisas que as conectam, porque todos nós estamos conectados."
"Partimos de uma dor pessoal, e quanto mais pessoal, mais a gente consegue chegar no pessoal do outro, no coletivo", diz Timerman.
Na mesa, mediada por Rita Palmeira, Gleeson também falou sobre sua experiência traumática com médicos, que a tratavam como alguém que não tinha voz própria ou não pudesse tomar decisões.
"Quando você é o paciente, ninguém te escuta, você precisa ser seu próprio lobista", diz, lembrando-se de médicos que avisavam que iriam serrar parte de seus ossos e insistiam que não ia doer, ou, até que não estava doendo no momento do procedimento --embora ela estivesse sentindo dores lancinantes.
"Muitos dos médicos, que na maioria eram homens, desdenhavam do que eu dizia, não me ouviam."
Timerman falou sobre a diferença na natureza do luto com seu pai, que ficou sob cuidados paliativos quando estava na fase terminal de um câncer, e sua mãe, que sofre de Alzheimer e é o tema de seu próximo livro.
"Minha mãe como eu a conhecia, acabou. Comprei um caderno, como um diário da perda, vou registrando, elaborando e guardando a memória dela."
Ela relata a frase do filho, que afirmou que o Alzheimer era como um quebra-cabeças em que se vão retirando as peças, em vez de adicionar.
POESIA LÉSBICA
"Vai estar tendo sapatão na Flip", anunciou a moderadora, Jamille Pinheiro Dias, no começo da mesa "As Nebulosidades", com a poeta gaúcha Angélica Freitas e a trinidadense-canadense Dionne Brand.
As duas poetas tiveram que se deslocar, física e emocionalmente, para conseguir exercer sua literatura e viver sua sexualidade, e compartilharam uma mesa que celebrou a literatura lésbica.
Brand, poeta, romancista e documentarista que nasceu e cresceu em Trinidad Tobago e se mudou para o Canadá quando era adolescente, é autora de "Nenhuma Língua é Neutra" e venceu inúmeros prêmios internacionais.
Brand questiona e tenta ampliar os limites da linguagem para enfrentar o colonialismo e o "clima antipreto e antimulher".
Ela fala sobre o apocalipse que foi o momento em que milhões de negros foram transplantados, à força, da África, e mergulhados na escravidão nas Américas --e o hiato que isso deixou na história dessas pessoas.
"Escrevo sobre as maneiras pelas quais buscamos nos libertar dessas opressões", diz. "Considero que a descoberta da minha sexualidade foi um despertar político."
Segundo ela, "quando entramos em um mundo em que a linguagem não é adequada, precisamos romper com essa linguagem e criar uma nova. A poesia nos permite alargar a linguagem, por isso eu amo a poesia."
Freitas é original de Pelotas, no Rio Grande do Sul, viveu na Escócia, Argentina, e atualmente mora em Berlim. Autora de "Um Útero é do Tamanho de um Punho", ela disse que sempre soube que teria que se mudar para o lugar mais longe possível.
"Eu sou sapatão desde pequenininha e sou de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul e uma coisa que sempre esteve clara é que eu teria que ir embora da minha cidade. A descoberta da minha sexualidade foi nos anos 1980 (ela nasceu em 1973), não tinha ninguém com quem conversar, não existia internet. Não sei como deve ser nascer num lugar e pensar vou ficar aqui a vida inteira."
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