SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Do disco gravado em Londres, só faltou a pontualidade britânica. Mas Caetano Veloso estava em São Paulo, e o atraso de 15 minutos foi devidamente ignorado pelo público que lotou o Espaço Unimed, neste sábado (25), para o show baseado em "Transa", álbum lançado em 1972, quando o baiano estava no exílio.
Caetano também demorou um tanto para entrar nas canções da obra celebrada agora. Ainda que tenha iniciado a apresentação com "You Don't Know Me", que abre o disco, concentrou no bloco inicial faixas "pré-'Transa'", "da época antes do pré-'Transa'" e do "pós-'Transa'", como ele mesmo definiu os períodos.
Da parte pré vieram "Irene", "Maria Bethânia", "The Empty Boat" e "London, London" --curiosamente, enquanto cantava sobre procurar discos voadores no céu, um drone começou a sobrevoar a plateia. Do pós, tocou "Araçá Azul", antes de emendar "Triste Bahia", "Neolithic Man" e "It's a Long Way", enfim uma sequência do disco que, como ele lembrou, só existe porque fora obrigado pela ditadura a deixar o país.
De camisa vermelha e calça preta, nas cores da capa de "Transa", Caetano se apresentou num palco minimalista, com leds retangulares e iluminação desenhada para realçar seu protagonismo. Enquanto os músicos tocavam sob uma luz discreta, o baiano era visto com clareza, algo que só foi dividido quando Jards Macalé se juntou à banda, já no meio do show, ao lado de Tutty Moreno e Áureo de Sousa.
Com os músicos que participaram da elaboração e da gravação do álbum --a exceção foi o baixista Moacyr Albuquerque, morto em 2000--, Caetano repetiu "You Don't Know Me" e saiu para que Jards tocasse "Mal Secreto". Voltou no final da canção, para entoar "Corcovado" e, depois, "Sem Samba Não Dá".
A inclusão de tantas outras músicas que não pertencem ao disco homenageado repete o roteiro das três apresentações já realizadas baseadas em "Transa", todas no Rio, e se explica pelo fato de que o álbum tem sete faixas e menos de 40 minutos, o que na prática impossibilita montar um show de duas horas, como o apresentado neste sábado, composto só por essa obra --como o público parecia querer.
Em músicas como "Triste Bahia", "Mora na Filosofia" e "Nine Out of Ten", a plateia cantava com fervor, em inglês e em português, e os fragmentos de cantos populares que o baiano distribuiu pelo disco, como "pé dentro /pé fora /quem tiver pé pequeno vai embora", advindo da capoeira, viraram mantras coletivos.
Jards, ovacionado, Tutty e Áureo também tiveram a companhia de Angela Ro Ro entre os convidados do show. Ao subir no palco, ela, que gravou gaita no disco de 1972, mais uma vez reproduziu a célebre foto de 1978 em que promoveu um encontro de línguas com Caetano e, na sequência, ganhou um bloco em que, acompanhada apenas por um pianista, cantou "Escândalo", "Compasso" e o hit "Amor meu Grande Amor".
Essa parte, porém, quebrou o clima do show. Enquanto "Transa" tem arranjos cheios de batuques e por vezes um ambiente soturno, Angela Ro Ro fez um piano bar que soou um tanto deslocado, compensado pelo carisma sempre afiado. Contou que Caetano compôs "Escândalo" para ela numa fase difícil de sua vida, antes de se corrigir: "Numa das muitas fases difíceis da minha vida", arrancando risadas.
Por fim, já com todos de volta ao palco, pegou a gaita que ganhou de "madame Veloso", ou seja, Paula Lavigne, mulher de Caetano, para tocar "Nostalgia", faixa que fecha "Transa". Era a senha para o final da apresentação. Se o disco inteiro já havia sido executado, restou repetir "Nine Out of Ten" no bis.
Bom para o público, em grande parte formado por jovens que nem tinham nascido quando o álbum foi lançado. Agora, eles puderam ver ao vivo, duas vezes numa mesma noite, Caetano gritar "bora, Macau!" antes de Jards esmerilhar a guitarra no solo que marca, talvez, a música preferida da plateia paulistana.
Aos 81, o baiano se apresentou com voz firme e cheia de vigor e, embora já tenha dito que seu inglês nas canções de "Transa" era troncho, uma besteira frente à beleza das letras e de suas construções, o sotaque com toque nordestino é outro elemento cativante, porque o sotaque, antes de tudo, é sinal de coragem.
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