BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) - Uma escultura monumental de um vestido em rosa choque e laranja, cheio de bordados espalhafatosos e com confetes esvoaçantes saindo pelo colarinho, foi a primeira a receber os visitantes que foram à Artbo, Feira Internacional de Arte de Bogotá, encerrada neste domingo.

A obra, no primeiro piso do centro de convenções Ágora, que se estende por cinco andares, representa a celebração conhecida como "Los Santos", que ocorre todo dia 28 de dezembro no Pacífico colombiano. Homens vestidos com trajes femininos correm pelas ruas mascarados, com chicotes nas mãos.

"Sobre Los Santos Inocentes: Variaciones", do coletivo Mapa Teatro, porém, engana quem observa o manequim apenas pelo lado de fora. Os visitantes são convidados a entrar na base do vestido, uma câmara escura que, entre uma cortina prateada e uma montanha de confetes espalhada pelo chão, mostra uma projeção que intercala cenas da festança com fotos de um protesto, onde manifestantes mascarados correm com paus e ferros nas mãos.

O trabalho, representado pela galeria argentina Rolf, reflete sobre como a festa provoca sobre as formas de violência que se abatem sobre a população colombiana. Para olhos desavisados, a excêntrica celebração poderia parecer um protesto.

O tema é delicado para o país que ainda enfrenta a ressaca política da dura repressão policial das ondas de manifestações que tomaram as principais cidades da Colômbia em 2018 e 2021. Não por acaso, no histórico bairro de La Candelaria, o memorial e galeria Fragmentos, criado por Doris Salcedo -cujo piso é feito com armas fundidas da guerrilha das Farc, doadas após o acordo de paz com o governo em 2016- estava com as paredes ocupadas por fotografias de pessoas cegadas por tiros policiais em protestos. A obra é da artista argentina Gabriela Golder, que também tem fotos de passeatas a venda na feira.

Já a silhueta monumental foi comprada por US$ 30 mil por um colecionador colombiano e, apesar de ser a primeira a saltar aos olhos dos visitantes, reflexões sobre o meio ambiente e a relação entre humano e natureza, assim como provoc ações quanto à insustentabilidade da produção econômica mundial, de origem extrativista, foram os temas que dominaram as obras expostas pelas 32 galerias da sessão principal da feira -21 delas colombianas.

Um exemplo são as telas de Aycoobo Rodriguez, artista indígena da amazônia colombiana que pinta como pessoas, seres e animais se relacionam com as florestas representadas em árvores pontilhadas, em obras avaliadas em US$ 6.000, em média.

O artista também expõe na recém inaugurada exposição "Sembrar la Duda: Indícios sobre las Representaciones Indígenas en Colombia", no Museu de Arte Miguel Urrutia, no centro da cidade, que agrupa de forma inédita obras, fotografias e representações das comunidades indígenas do país.

Já as esculturas-robôs de Miguel Kuan, apresentadas pela galeria Hoffmann, são mosquitos gigantes recriados com seringas, plástico, ligas de metal e outros materiais descartáveis para provocar sobre as consequências sociais e ambientais da produção e do consumo em massa. Quando um botão é acionado, o mosquito-robô faz movimentos frenéticos de chupar sangue.

Neste ano, o espaço "Referentes", organizado por Julieta González, ex-curadora artística de Inhotim, foi composto por obras que se dedicam a pensar a relação entre homem e natureza. Alguns dos trabalhos à venda eram assinados por nomes como María Elvira Escallón e Alberto Baraya, ambos já consagrados no mercado artístico latino-americano.

O uso de materiais como galhos, terra, algodão cru e cerâmica estava em alta para criar objetos e esculturas, mais numerosos neste ano, segundo Eduardo Brandão, representante da galeria Vermelho -a única brasileira desta edição.

"É a urgência do momento, o artista percebe o mundo em que vive, liga a TV e vê a Amazônia queimando", diz. Desde que iniciou a participar da Artbo em 2007, a galeria passou a investir na representação de artistas latino-americanos, presentes em maior peso na feira -assim como os colecionadores, que vagam pelos corredores entre obras falando, em sua maioria, espanhol.

Brandão diz que não vai a Bogotá só para fazer negócio. "Fazemos também um guia de artistas latino-americanos. Vende bem, mas vende mais a longo prazo. Aqui conhecemos pessoas que fecham negócios em outros lugares, como Miami", diz.

Segundo o galerista, a diminuição de galerias brasileiras na programação está associada à estagnação econômica pós-Covid-19. A proximidade da Colômbia com a costa sul dos Estados Unidos também não ajuda e, dividido entre custos de transporte de obras, é provável que os galeristas optem por se apresentar em Miami

Obras de artistas colombianos mais consagrados também marcaram presença, como as telas de Antonio Samudio. Luís Ángel Parra, galerista da Sextante, se considera o maior colecionador do artista. "Tenho 60 pinturas", diz, orgulhoso, e admite que tem dificuldade de desapegar da coleção. Os preços das pinturas que conseguiu colocar à venda na feira variavam de US$ 25 mil e US$ 50 mil dólares.

Patrocinada pela Câmara de Comércio de Bogotá, a feira nasceu como a promessa de "fazer Bogotá melhor", como lembra Brandão. Missão reforçada pela diretora da Artbo, María Paz Gaviria. "Artbo não é apenas uma feira, mas é o programa artístico de Bogotá, um epicentro das artes para o país e a região", diz.

"Artecamera" é a sessão da feira dedicada a expor obras de artistas abaixo dos 40 anos e que ainda não são representados por alguma galeria. Nela estavam concentrados alguns dos trabalhos mais políticos da Artbo, como "Custodio de La modernidad", de Diego Alejandro Henao Zúñiga, apresenta uma série de fotos e documentos de trabalhadores de uma antiga fábrica de metal para móveis na Colômbia, onde eram reproduzidas, por exemplo, as poltronas bauhaus -e, em telas, o artista pinta parte dos arquivos fotográficos.

"A pintura é uma forma de narrar e escutar as pessoas", dizia a um grupo de pessoas curiosas, enquanto apresentava os quadros atrás de si e apontava para os arquivos cuidadosamente expostos dentro de uma mesa de vidro.


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