SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O cacique Raoni Metuktire e o cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux, que firmaram uma longa parceria em defesa dos povos indígenas brasileiros, romperam pouco após aparecerem juntos no Festival de Cannes, quando o diretor lançava o documentário "Raoni: Uma Amizade Improvável".
A agência de notícias Associated Press diz que Raoni e pessoas próximas ao cacique disseram que já desconfiavam há muito tempo de que Dutilleux não estivesse transferindo recursos arrecadados para os Kayapó, e que ele explorava a imagem do colega para impulsionar sua carreira no cinema.
De acordo com o líder indígena, o diretor só teria repassado uma fração do que prometeu transferir para que eles financiassem projetos sociais. À agência, Dutilleux negou e atribui as falas de Raoni à sua idade avançada. Disse ainda que não se interessa pelo dinheiro.
A amizade entre Dutilleux e Raoni começou quando o belga veio ao Brasil aos 22 anos, nos anos 1970. Ele queria dirigir um filme etnográfico na floresta amazônica, mas foi tomado por um dos operários da construção de rodovias por um grupo de indígenas Kayapó, que ameaçou matá-lo. Raoni interveio pela vida de Dutilleux.
A parceria serviu para alavancar a influência de Raoni e o trabalho de Dutilleux, que foi indicado ao Oscar com um documentário sobre o pajé em 1979. Já nessa época, o fotógrafo espanhol Alexis de Vilar, fundador da ONG Tribal Life Fund, que busca proteger povos indígenas, suspeitou de Dutilleux.
A organização patrocinou a estreia do documentário nos Estados Unidos, mas obteve nenhum retorno. Segundo o belga, o evento não trouxe nenhum lucro, apesar de alguns convidados que chegaram a gastar milhares de dólares por um ingresso.
A dupla virou um trio quando Sting, ex-vocalista do grupo The Police, se juntou aos dois em uma viagem pela mundo que tinha como propósito chamar atenção à causa indígena. O músico, no entanto, rompoeu com o diretor e o afastou de sua organização, a Rainforest Foundation, após acusá-lo de tentar lucrar com a instituição, retendo os direitos autorais de um livro sobre sua turnê.
Os conflitos entre Raoni e Dutilleux continuaram ao longo dos anos. Em 1991, o diretor fez uma campanha na Europa para arrecadar milhões de reais para criar um parque nacional no Brasil. Ele dizia que o projeto havia sido concebido por um diretor da Funai, mas Sydney Possuelo, que ocupava esse cargo, negou ter envolvimento com o plano e disse que os cálculos do belga eram absurdos.
Em 2002, quando o então presidente Jacques Chirac, se comprometeu a ajudar a lançar o Instituto Raoni, o líder indígena fez uma petição no Ministério Público pedindo que o dinheiro não passasse pelas mãos de Dutilleux. Os dois, no entanto, fizeram as pazes e, em 2010, o belga escreveu uma biografia de Raoni. Os dois saíram, então, em turnê, para arrecadar dinheiro para os Kayapó.
Nesta época, a usina hidrelétrica de Belo Monte estava sendo construída. Christian Poirier, na época à frente da organização Amazon Watch, que combatia a obra, disse à American Press que acredita que Dutilleux havia agido para afastar Raoni das discussões sobre a usina. Após o ocorrido, os líderes Kayapó emitiram um comunicado dizendo que Dutilleux não estava mais autorizado a receber doações em seu nome.
Em 2016, Raoni acusou Dutilleux publicamente de tê-lo induzido a assinar um documento mal traduzido que dificultava a captação de dinheiro por uma ONG concorrente. Em 2019, o belga se ofereceu para mediar uma conversa entre Raoni e Emmanuel Macron, presidente da França. O líder se comprometeu a doar milhão de euros (R$ 5,3 milhões) ao Insituto Raoni, etomou precauções para driblar a ONG de Dutilleux no processo.
No ano passado, Dutilleux convenceu Raoni a mais uma vez embarcar com ele, para promover seu documentário. Sgundo fontes ouvidas pela Associated Press, ele teria aceitado com relutância, tendo em vista a situação crítica da Amazônia.
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