FOLHAPRESS - Em 1972, quando Aretha Franklin gravou seu histórico álbum "Amazing Grace" no interior de uma igreja batista em Los Angeles, a equipe de filmagem que a acompanhava fez questão de registrar, em esplendor, não só a cantora no altar, mas também as pessoas que reagiam à sua música nos bancos do templo.

As imagens, posteriormente editadas no filme de mesmo nome lançado em 2018 por Alan Elliott e Sydney Pollack, mostram uma comunhão firmada entre artista e público, pacto quase sacro ilustrado por expressões de arrebatamento e deslumbre.

Com o filme "Renaissance", ainda que mantidas as devidas proporções, Beyoncé faz algo semelhante. Ao incluir cenas das reações da plateia que lotou estádios durante a turnê homônima junto às gravações das performances e às cenas documentais que detalham o processo criativo de seu último álbum, a cantora e diretora constrói um espaço seguro onde a cultura ballroom, notadamente preta e LGBTQIA+, pode se manifestar com liberdade.

Por mais que falte ao longa a precisão da montagem de "Homecoming", de 2019, já que são visíveis algumas marcas da finalização em tempo recorde -"Renaissance", afinal, estreia apenas dois meses depois do último show da turnê-, sobra brilho.

"'Renaissance' é sobre beleza, alegria e resiliência", disse a cantora na noite desta quinta, quando apareceu de surpresa na festa de estreia do longa em Salvador, na Bahia.

Além de confirmar as palavras desse discurso, o filme também se mostra uma obra que preza pela coletividade. De modo literal, quando evidencia o número de trabalhadores envolvidos para fazer com que uma turnê desse tamanho aconteça; e figurado, quando homenageia aqueles que ergueram os alicerces da house music -situação representada, por exemplo, pela presença do artista Kevin JZ Prodigy, lenda da cena ballroom americana, e de outros que ajudaram e ajudam a construir essa história.

Nesse rastro, a homenagem alcança o tio da cantora, o famoso "Uncle Jonny" citado na música "Heated", cujo rosto é apresentado numa foto exibida no telão ao fim do show. Jonny, que cresceu como homem negro e gay nos Estados Unidos da década de 1950, morreu em decorrência de complicações causadas pelo vírus HIV.

Entretanto, no filme, tal reverência se dá pela via da vida, e não da morte. É como se Beyoncé pedisse licença para reverberar o legado de seu tio sem, necessariamente, explicitar o sofrimento de sua partida precoce. Não é que não caiba espaço para o luto; mas sim que existe uma escolha, consciente, de fazer com que a tristeza se transmute em celebração, de ressignificar a saudade em outra coisa.

No fim, para além da cantora que se divide enquanto artista, empresária e mãe, como a própria Beyoncé explicita na narrativa, resta a comunidade. Seja na vida privada da artista, com o marido Jay-Z e os filhos Blue Ivy, Rumi e Sir, presentes em momentos significativos do filme; seja no palco, entre os muitos funcionários que construíram a turnê; seja mesmo fora dele, com as pessoas que dançam sincronizadas na plateia e se engajam em diferentes desafios.

O sentido de comunidade ganha ainda outra projeção quando o registro é levado à experiência coletiva do cinema. Nas sessões lotadas, fãs subvertem o silêncio comumente dedicado à sala escura e participam da turnê a que, pelo menos no Brasil, não puderam comparecer presencialmente. "Renaissance" então se torna um presente, enfim devidamente compartilhado.

RENAISSANCE: UM FILME DE BEYONCÉ

Onde Em cartaz nos cinemas

Classificação 12 anos

Produção Estados Unidos, 2023

Direção Beyoncé

Avaliação ótimo


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