SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No dia 8 de janeiro de 2023, a jornalista Julia Duailibi, da GloboNews, almoçava com amigos num restaurante quando recebeu mensagens do chefe no celular. "Dá uma olhada nessas imagens que estou mandando. A situação é grande", escreveu ele. "Consegue entrar ao vivo?"

A apresentadora disse que sim, voltou às pressas para casa e começou aquela que seria uma das coberturas mais importantes de sua carreira ?a invasão da sede dos Três Poderes por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Duailibi destrincha as 24 horas do ataque no documentário "8/1 - A Democracia Resiste", que será exibido na GloboNews. Com uma hora de duração, a produção que ela dirige com Rafael Norton vai além das imagens de vandalismo ao entrevistar figuras centrais para o desenrolar dos fatos, como o presidente Lula, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.

O diferencial, porém, está nos registros inéditos que mostram os bastidores do poder e a reação das autoridades diante do ataque. "Todos vimos as imagens das invasões e das depredações, mas não vimos o processo decisório entre quatro paredes", diz a jornalista. "Nosso ponto forte é colocar as pessoas dentro dessas quatro paredes."

Um desses espaços é o gabinete de crise montado na Prefeitura de Araraquara. No dia do ataque, o presidente Lula estava na cidade do interior paulista para inspecionar os estragos que um temporal havia causado na região. Durante a visita, diz Duailibi, o prefeito Edinho Silva, do PT, mostrou ao mandatário imagens do Congresso Nacional tomado pelos golpistas.

"Quando ele viu a dimensão das coisas, começou a telefonar para os ministros ainda no carro e decidiu fazer o gabinete de crise", diz a jornalista. Essa sala é um dos eixos centrais do documentário, por ter sido onde Lula definiu quais deveriam ser as respostas ao ataque. "É um momento em que ele toma várias decisões, entre as quais não decretar a GLO [Garantia da Lei e da Ordem]."

Foi proposto ao presidente acionar esse dispositivo, que concede de forma provisória aos militares a prerrogativa de atuar como força policial. Essas operações são realizadas quando há ruptura da ordem pública. Lula não acionou o dispositivo por considerar que a medida poderia aprofundar a crise. Decidiu decretar intervenção na segurança pública do Distrito Federal.

Ainda durante a invasão, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, exonerou o então secretário de Segurança Pública, Anderson Torres. Horas após a demissão, o próprio governador foi afastado do cargo por ordem do STF. Torres foi preso cinco dias após o ataque, enquanto o político reassumiu o cargo em março.

"O prefeito Edinho Silva conta que, em um momento, Lula dá um tapa na mesa e diz ?se querem decretar a GLO, que disputem a eleição?. Esse foi um passo bastante importante para a manutenção do processo democrático", diz a jornalista. "Então, do ponto de vista da narrativa, o gabinete de crise é um momento crucial sobre o qual a gente precisou apurar mais."

E a investigação não foi simples. Para conseguir o material inédito, os profissionais da equipe entraram em contato com assessores da Prefeitura de Araraquara, falaram com ministros e até mesmo com a primeira-dama. Ninguém tinha as imagens. Tiveram mais sorte ao falar com Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do presidente.

"Aí a gente foi até Brasília, conversamos e ele disponibilizou parte dessas imagens inéditas", diz Duailibi. "Acho que é um registro que o Brasil precisa ter, porque mostra o bastidor daquele momento tão crítico."

O clima de tensão entre civis e militares é outro ponto alto do documentário. Em entrevista, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, diz que foi ao QG do Exército em Brasília acompanhado do comandante da Polícia Militar do Distrito Federal. O objetivo era desmobilizar o acampamento bolsonarista instalado ali.

Segundo Cappelli, o então comandante do Exército, o general Júlio César de Arruda, teria questionado se eles pretendiam entrar na área militar sem sua autorização. "Cappelli fala que não, que eles iriam avisar. O general vira então para o chefe da PM e fala ?porque eu acho, comandante, que eu tenho um pouquinho mais de homens do que o senhor.'"

Para conseguir depoimentos como esse, foram necessários seis meses de trabalho. É uma experiência bem diferente daquela que Duailibi viveu no dia 8 de janeiro do ano passado, quando ficou cerca de oito horas no ar cobrindo o ataque.

Na ocasião, a urgência dos acontecimentos exigia que a notícia fosse dada com agilidade minuto a minuto. Durante a cobertura, a jornalista acionou ministros e assessores à procura de informações. Foi dessa forma que ela descobriu, por exemplo, que Lula decretaria intervenção na segurança do Distrito Federal e que a Advocacia-Geral da União entraria com pedidos de prisão.

A experiência foi outra ao produzir o documentário. A jornalista teve tempo e distanciamento para analisar os fatos, uma vez que o senso de urgência tinha se dissipado. "São dois aspectos que se complementam de maneiras diferentes. A cobertura quente e a outra, mais fria, dão completude ao que foi aquele fato."

Esta não é a primeira vez que a jornalista conduz um documentário. Em 2022, a GloboNews exibiu "Visita, Presidente", trabalho que ela dirigiu ao lado de Maíra Donnici.

A obra mostra os momentos de tensão que antecederam a prisão do presidente Lula em 2018, os dias no cárcere e sua libertação após decisão do Supremo. "Acho que todo jornalista é um documentarista", diz ela, acrescentando que seus dois documentários compartilham semelhanças.

"A ideia do ?Visita, Presidente? era contar o que ninguém viu entre aquelas quatro paredes em que Lula ficou preso. O ?8/1 - A Democracia Resiste' tem a mesma pegada. É mostrar as quatro paredes dos gabinetes do poder e o que a gente não pôde ver."

Com o documentário que estreia neste domingo, a jornalista aprendeu uma lição sobre a democracia brasileira que está expressa logo no nome da obra. "Todos os mecanismos institucionais funcionaram, do Judiciário ao Executivo, e a legalidade foi mantida", diz Duailibi. "Entendi que a nossa democracia é mais forte do que a gente supunha."

8/1 - A DEMOCRACIA RESISTE

Quando 7 de janeiro, às 23h30

Onde GloboNews

Produção Brasil, 2024

Direção Julia Duailibi e Rafael Norton


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