A festa mais popular do Brasil atrai, todos os anos, milhares de pessoas para as ruas ao som de samba, maracatu, axé e mais uma infinidade de ritmos embalados pela animação dos blocos carnavalescos. Em Juiz de Fora, o Bloco Domésticas de Luxo e a Banda Daki, considerados a essência do carnaval local, começaram a trilhar as histórias nos anos de 1958 e 1972 respectivamente.
Os blocos de rua
A tradição de ir às ruas para se divertir teve início no país entre os séculos XVII e XVIII, por meio dos “entrudos portugueses”, que consistia em um tipo de comemoração popular, trazida ao Brasil pelos europeus, nas quais as pessoas brincavam de jogar água, ovos, farinha, frutas podres e restos de comida umas nas outras.
A festa tornou-se a principal fonte de lazer dos negros escravizados, enquanto as famílias brancas, de dentro de casa, entretinham-se ao derramar baldes de água suja nos passantes, que aproveitavam a festa nas ruas.
A partir do século XIX, em uma tentativa de reprimir as manifestações dos povos negros, a comemoração passa a ser submetida a um forte controle policial, criminalizando, dessa maneira, a prática do entrudo.
A partir deste momento, a elite branca brasileira, que considerava a festa popular extremamente grosseira, busca redefinir a lógica por trás dessas comemorações. Assim, a festividade das ruas passa a ser realizada em clubes e teatros, espaços restritos às classes mais abastadas, e tomando como referência os bailes de máscaras franceses, dando origem, assim, aos primeiros bailes de carnaval.
No final do século 19, as camadas populares não se deram por vencidas e conseguiram driblar os disciplinamentos policiais, por meio da criação dos grupos carnavalescos, conhecidos como cordões e ranchos. A proposta era que a movimentação e toda a decoração fosse associada a procissões religiosas, mas que incluíam a capoeira e tambores.
Com o passar do tempo, o movimento cultural foi conquistando cada vez mais espaço e consolidando sua autenticidade e importância na história do país. Aos poucos foram implementadas as marchinhas de carnaval e o samba. Essas conquistas graduais permitiram que fossem formados os blocos propriamente ditos.
Eles simbolizam uma das manifestações mais expressivas da cultura brasileira e carregam em sua essência a história de um povo.
Bloco Domésticas de Luxo
Criado no Bairro São Mateus em 1958, o tradicional bloco faz parte da história de Juiz de Fora. A ideia de dar origem à festa partiu de um grupo de dez amigos, que se inspirou na comemoração "Domésticas de Lourdes", bloco característico de Belo Horizonte, realizado em uma região nobre da capital mineira.
O presidente do grupo, Sérgio Luiz Ribeiro, conta que a proposta era homenagear as trabalhadoras domésticas e trazer alegria e descontração para a cidade.
“A vontade de fazer essa homenagem deve-se ao fato de que um desses amigos veio de BH. Lá, ele observava que as patroas saiam para pular carnaval, mas não deixavam as domésticas saírem também, pois as funcionárias deveriam tomar conta da casa e dos filhos”, explicou.
Em Juiz de Fora, o nome foi adaptado para “Domésticas de Luxo”, mas mantendo a reverência às trabalhadoras do lar de toda a cidade e da região.
A partir da segunda edição, o “Doméstica de Luxo” conseguiu a primeira vitória. E, desde então, passou a ganhar todos os outros carnavais que viriam dali pra frente. Depois das sucessivas vitórias, o então prefeito de Juiz de Fora, Itamar Franco, decretou que o bloco não iria mais concorrer e o decretou como hour concours - título dado a uma entidade coroada diversas vezes.
Ao recordar os últimos anos, Sérgio Luiz Ribeiro, que entrou para o grupo em 1977, se sente emocionado.
“Comecei a desfilar com 15 anos, fiz parte da bateria, bailado e hoje estou presidente há alguns mandatos. Muito orgulhoso de conseguir manter a tradição e continuar levando alegria para a população”, lembrou.
Em meio a tantas histórias, Ribeiro reforça a força da festa tipicamente brasileira.
“Carnaval é cultura. Costumo dizer que é uma manifestação plural, em que não há distinção de raça, de cor, de credo, de nada. As pessoas vão para a rua se divertir, por meio das expressões corporais, dos movimentos, da fantasia, dos adereços, da música, da dança, então tudo é alegria”, opinou.
Inicialmente o bloco contava com homens vestidos de mulher, com rostos pintados de preto, perucas, roupas de domésticas e malha preta por debaixo das fantasias. Todavia, em 2019, após a polêmica sobre o viés racista por trás dessa tradição, foi feito um acordo com a OAB de Juiz de Fora e os integrantes do grupo decidiram abandonar os acessórios que faziam alusão à raça negra.
Assim, com pouco mais de 60 edições, a festa passou por uma repaginada e segue se renovando, ano a ano. Em 2024, o desfile será no dia 3 de fevereiro, às 13h, com a temática “Enfermeiras de primeira!”.
Banda Daki
A Banda Daki teve origem em 1972, no Largo do São Roque, por iniciativa de uma turma de amigos. Com o passar dos anos, tornou-se referência na região e passou a atrair foliões de toda a cidade. Em 2004, a Banda foi tombada como Patrimônio Cultural do município e faz parte do calendário oficial do Carnaval de Juiz de Fora.
O atual presidente da banda, Nelson Júnior, conta que a primeira troca de opiniões sobre a fundação ocorreu há 52 anos, quando jovens na faixa de idade de vinte e poucos anos reuniram-se após uma festa de Réveillon para papear. O local escolhido era o Restaurante Brazão, ponto de encontro para o final de toda noitada do grupo.
A ideia de criar a banda veio de Ivanir Yazbeck, um jornalista e escritor de sucesso, que lançou um desafio para os amigos da Turma do São Roque: o de fundar uma banda nos moldes da Banda de Ipanema, que em 72 arrastou multidões pelo famoso bairro carioca.
Aceito o desafio e entusiasmados pela ideia, surgiram as mobilizações para viabilizar a criação da Banda do São Roque, formada por Ivan Barbosa, Paulana, Osmany Maninho, os irmãos Ciro e Leopoldo, Pauleca, Mané Galinha e os irmãos Cesar e Marcio Itaboray. Entretanto, preocupados com a possibilidade do nome “São Roque” limitar a presença de foliões só daquela região, concordaram que a banda deveria ser aberta a todos e não apenas ao Largo São Roque. E assim foi a escolha do nome, que deveria receber as pessoas “daqui da cidade”.
No primeiro desfile foram distribuídas 15 dúzias de rosas, o que fez com que a Banda ganhasse a simpatia de todos. Além disso, a conquista do público aconteceu por causa da escolha de músicas tradicionais, num carnaval animado, organizado, alegre e espontâneo. Dali pra frente foi só sucesso, o número de participantes cresceu para centenas, milhares e não parou mais.
Em meio às lembranças, é impossível deixar de fora o saudoso Zé Kodak, conhecido como o General da Banda.
“Na época, ele era diretor do Turunas, quando pediu licença daquela agremiação para cuidar exclusivamente da Banda Daki. Um visionário, já que o Zé não deixou mais nenhum carnaval sem o desfile da famosa Banda Daki”, relata Nelson Júnior.
Ao ser questionado sobre a retomada dos desfiles. O atual presidente respondeu:
“Estamos trabalhando duro para voltar com a Banda para a Avenida. Mas, o apoio da cidade é mínimo, mas não desistimos. Sobre o planejamento, só divulgaremos no dia que a Banda estiver viabilizada. Nosso objetivo é homenagear o Zé Kodak, por tudo que fez pelo nosso carnaval”, finalizou.
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