SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Mamãe acha que estou num convento, num minúsculo convento perto de Clermont-Ferrand", diz Sally Bowles ao público do Kit Kat Club, antes de pedir que, caso cruzem com sua mãe, não lhe digam o que ela faz de verdade: "Mamãe não tem a menor ideia de que eu trabalho na boate de calcinha e sutiã".

Em cena, está a atriz Fabi Bang com um vestido cheio de camadas. Elas vão sendo retiradas aos poucos pelas outras garotas do clube noturno, até que se revele um figurino ?composto de short e top curto? muito mais de acordo com a personagem, a protagonista de "Cabaret". Uma nova montagem do musical estreia na sexta-feira (8) no 033 Rooftop, em São Paulo.

A trama é centrada na relação da cantora com o escritor americano Cliff Bradshaw (aqui interpretado por Ícaro Silva), que se conhecem na cena noturna da Berlim de 1931. Em paralelo, acompanha-se o romance da dona da pensão onde ele mora com um vendedor de frutas judeu. O pano de fundo é a ascensão do nazismo na Alemanha.

Com texto de Joe Masteroff e música de John Kander e Fred Ebb, a primeira montagem de "Cabaret" estreou na Broadway em 1966. Ao longo dos anos, várias remontagens foram feitas tanto por lá ?tem uma em vias de estrear em abril deste ano?, quanto no West End londrino.

Cheio de nuances, Sally Bowles virou objeto de desejo para atrizes de todo o mundo. Gente do calibre de Emma Stone, Michelle Williams, Judi Dench e Brooke Shields já fizeram o papel. Sem falar, é claro, em Liza Minnelli, que imortalizou a personagem no filme homônimo de 1972.

No Brasil, esta é a terceira grande montagem profissional. Por aqui, já viveram a personagem as atrizes Beth Goulart (1989) e Claudia Raia (2011). Fabi Bang, que se destacou como a Glinda de "Wicked" e como a Ariel de "A Pequena Sereia", entre muitas outras versões nacionais de musicais da Broadway, não é de todo estranha ao universo da peça: ela foi uma das garotas do Kit Kat Club na montagem de 2011.

"Eu nunca vou tratar com naturalidade esta oportunidade, nunca vou conseguir me acostumar a chegar ao meu camarim e ter um vestido com o nome dela me esperando", resume a atriz à reportagem. "É um privilégio emprestar a um pouco da minha personalidade a essa personagem tão emblemática e icônica."

A atriz comemora estar no timing certo para a conquista. "É engraçado porque, quando eu fiz a peça em 2011, não tinha ainda a dimensão de que esse momento poderia chegar na minha carreira", avalia. "A Sally exige uma bagagem de vida, uma maturidade... Ela tem que ter muitas feridas muito abertas. Naquela época, eu ficava só na admiração e na tietagem com a Claudia [Raia]. E, agora, tenho essa chance de mergulhar no universo de 'Cabaret' com todas as suas profundidades."

Ícaro Silva, que já viveu cantores como Jair Rodrigues e Wilson Simonal nos palcos, tem no introspectivo Cliff seu primeiro papel em uma adaptação da Broadway. Ele diz que a possibilidade de experimentar, além do canto, a atuação de uma forma muito física na peça, é o que o atraiu. "Fui uma criança que não tinha a menor conexão com esportes, nenhum esporte me traía, e eu encontrei esse atletismo de que sentia falta fazendo musical."

O ator também comenta o fato de o personagem estar sendo vivido por um ator preto, algo que não ocorreu em outras versões. "Acho que não faz a menor diferença, e assim é na maioria das boas histórias: a gente está falando de relações humanas e, independente da etnia, humanidade é humanidade", afirma. "A gente se conecta com os mesmos sentimentos, vive a partir das mesmas emoções e é atravessado pelas mesmas emoções."

Ele diz que a presença de pessoas negras nas produções é fruto de muitos anos de luta do movimento negro e de todos os que abraçaram essa causa, o que só trouxe benefícios para todos. "Eu acho que [ter um ator preto fazendo o personagem] traz outras camadas para o personagem, e eu aproveito essas camadas para construir ele de uma forma mais rica."

Outro pilar da peça é o andrógino mestre de cerimônias do Kit Kat Club (ou Emcee), que na nova montagem é interpretado por André Torquato, destaque em "Tatuagem" e "A Herança", entre outras peças. Seu papel também costuma ser disputado a tapa por atores, tendo sido interpretado por nomes como Alan Cumming, Neil Patrick Harris e Michael C. Hall, além dos brasileiros Diogo Vilela e Jarbas Homem de Mello.

Torquato diz que entende a responsabilidade que o papel traz, mas tenta não se apegar a ela. "Uma das partes do meu processo foi me livrar um pouco desse peso que eu carregava de ter que honrar quem fez o personagem antes", diz. "É um personagem único, com o qual muitos ganharam prêmios, mas cada um fez algo muito específico, com características muito diferentes."

Emcee é o único personagem da peça que não interage com os demais ?o diálogo dele é sempre com a plateia, e muitas vezes em tom de comentário ou crítica. "Você fica meio na dúvida se ele existe de fato, por ter essa característica muito enigmática", explica. "Então, você pode fazer o que quiser com ele. Por mais que eu tenha visto outras versões como referência, precisei descobrir como seria o Emcee pela minha visão e pela visão do diretor. E acho muito legal deixar o público observar e tirar suas próprias conclusões."

O diretor Kleber Montanheiro diz que o apelo atemporal de "Cabaret" vem das relações entre os personagens. "Eu acho que o texto fala de questões sociais e políticas de uma época, mas que de tempos em tempos voltam, né?", avalia. "Só que isso é apenas um plano de fundo. Sempre que falo para os meus atores sobre o espetáculo, digo que não é sobre o nazismo ou sobre o fascismo daquela época, mas sobre ilusão e desilusão. São personagens que vão se perdendo, tentam se levantar e tentam sonhar de novo."

Ele diz que a ideia é transformar o 033 Rooftop no mais próximo de um cabaré de fato. O espaço multiúso, que fica no terceiro andar do Teatro Santander, já foi escolhido com a vontade de fazer do espetáculo uma experiência imersiva. "Minha ideia era fazer realmente que o público sentisse que está dentro do cabaré", conta. "Eu propus ocupar o espaço como se fosse o Kit Kat Club, sem essa coisa do espectador passivo; ele é ativo, ele está fazendo parte daqui como um personagem, ele participa."

A ação ocorre principalmente em três pontos, em duas laterais e no centro do espaço, com passarelas que se esticam e se recolhem para garantir a circulação dos envolvidos nas cenas. Ao redor, parte do público estará espalhado em mesas, podendo ?por meio de um pagamento extra? petiscar um menu temático inspirado na Alemanha dos anos 1930 e até bebericar um drinque.

Montanheiro diz que é um espetáculo concebido em 360 graus, com coisas acontecendo em paralelo o tempo todo. "Fizemos um grande esforço para combinar o trabalho de luz com o desenho de cena", explica.

Para ele, é como se o público estivesse vendo "um grande prédio descascado", sem paredes, onde você pode exercer seu lado voyeur e acompanhar o que está acontecendo em todos os apartamentos. "É um espetáculo que você pode ver muitas vezes, de lugares diferentes, para ter experiências completamente singulares."

'CABARET'

Quando Sextas (20h30), sábados (15h e 20h30) e domingos (15h e 19h30)

Onde 033 Rooftop

Preço De R$ 39,60 (preço popular) a R$ 300 (mesa)

Classificação 14 anos

Elenco Fabi Bang, Ícaro Silva e André Torquato, entre outros.

Direção Kleber Montanheiro

Duração 2h45 (com 15 minutos de intervalo)


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