Celebrado nesta segunda-feira (3), o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial faz referência à aprovação da primeira lei brasileira contra o racismo, criada em 1951. O racismo consiste no ato de preconceito e discriminação com base nas percepções sociais e de diferenças entre pessoas e povos, mas, atualmente, a discursão vai muito além do racismo propriamente dito e parte para a visão do racismo estrutural, algo intrinsecamente ligado à formação da sociedade em diversos âmbitos, mas principalmente nos ângulos político, cultural e econômico.

‘É só uma brincadeira!’

Grande parte das vezes em que pessoas pretas sofrem com o racismo ouvem da outra parte que aquela determinada frase ofensiva não passava de uma brincadeira. Sobre isso, o professor do curso de psicologia do Centro Universitário Estácio Juiz de Fora, Carlos Eduardo Pereira, explica que esses tipos de brincadeiras de cunho racista ajudam na perpetuação de estereótipos e contribuem com o sofrimento de parte da população. “Para que uma brincadeira seja considerada uma brincadeira, ela precisa ser engraçada para ambas as partes. Numa perspectiva psicológica, as brincadeiras de fato são uma maneira em que as pessoas manifestam uma opinião que elas têm sobre determinado assunto, com uma maneira de evitar críticas mais profundas e contundentes. Então, como a gente sabe que hoje são cada vez menos aceitas essas formas de discriminação perpetuadas através das brincadeiras, as pessoas se valem desse recurso como uma estratégia pra ainda tentar justificar aquilo que não é mais justificável.”

FOTO: Arquivo pessoal - Carlos Eduardo Pereira, professor do curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Sá

Ricardo Oliveira, 44, cortador têxtil graduado em direito, passou toda a sua vida precisando passar por cima do racismo que encontrava pelo caminho. Desde pequeno, ele ouvia brincadeiras indesejadas e sofreu discriminações que muita das vezes só conseguiu compreender com o passar do tempo e conhecimento. “Eu tive um momento muito marcante na minha infância em relação ao racismo. Isso aconteceu quando eu fui ao hospital e, no finalzinho da consulta, a pediatra falou assim: ‘aí eu gostei muito de você, eu vou levar você pra minha casa e vou te alimentar só com pão e água.’ Tem coisa que a gente só entende depois”, reflete.

As práticas racistas, conta Carlos Eduardo, acabam sendo transmitidas através de uma perspectiva estrutural. Por causa disso, grande parte das nossas ações às vezes são involuntárias. “Por exemplo, às vezes perguntar pra uma pessoa negra, no elevador de um edifício, se ela trabalha ali pode até não ser intencional, mas ela reflete esse tipo de comportamento. Isso é uma construção social que temos combatido e lutado para mudar”.

O professor conta ainda que o grande vilão do racismo não é o racismo praticado com a intenção de ofender o próximo, mas sim uma estrutura comportamental que se manifesta em diversas outras práticas. Uma dessas práticas, por exemplo, pode ser vista na questão salarial. De acordo com estudos divulgados pelo IBGE no ano de 2022, pessoas brancas têm rendimento de até 40% a mais do que pessoas pretas, isso corresponde a quase o dobro do valor. Essa realidade ainda não mudou. Ricardo relatou ao Portal o momento em que percebeu a diferença salarial entre ele e uma pessoa branca com o mesmo cargo em uma mesma empresa: “Depois que um rapaz foi demitido eu descobri que ele ganhava R$600 a mais que eu no piso salarial. Nós tínhamos a mesma função, a nossa diferença é que ele era branco e eu não”. Mesmo passando por esta situação em seu emprego, Ricardo conta que fez com que o seu sentimento servisse de trampolim para que ele buscasse mudar a sua trajetória, investindo nos estudos e na mudança de carreira.

Referências importam

Um material publicado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) aborda sobre como o Brasil foi marcado pela discriminação, exploração e opressão racial. Por causa disso, a população negra sofreu e sofre intensamente com os problemas sociais brasileiros. Esse material aponta também para o fato de que não é comum ver uma pessoa preta na liderança, numa posição de destaque, já que na sociedade é pré-definido que o negro sempre ocupe cargos inferiores.

Também tocando nesse ponto, Ricardo fala sobre a importância de guardar referências para si: “Referência é uma coisa que alimenta a minha esperança e expectativa quando eu vejo alguém como eu lá na frente. Dá mesmo uma força mesmo, sabe? Penso que se aquela pessoa conseguiu, eu vou conseguir também.”

Arquivo pessoal - Carlos Eduardo Pereira, professor do curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Sá

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discriminação | DISCRIMINAÇÃO RACIAL | racismo


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