RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O Rio de Janeiro vê um descompasso na tentativa de retomada de voos nos dois principais aeroportos do estado após a derrubada de restrições na pandemia.
Enquanto a demanda decola para níveis semelhantes aos do pré-crise no Santos Dumont, a movimentação no Galeão segue distante da verificada antes da Covid-19, indicam dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Lideranças empresariais relatam preocupação com o quadro e querem a abertura de uma nova rodada de debates com o governo federal para discutir a modelagem da concessão conjunta dos aeroportos cariocas.
O Ministério da Infraestrutura fala em realizar o leilão dos dois terminais no terceiro trimestre de 2023, no âmbito da oitava rodada de concessões aeroportuárias.
Analistas, porém, consideram o prazo apertado, ainda mais com as eleições presidenciais no meio do caminho e a incerteza política que se desenha para o próximo ano.
No primeiro semestre de 2022, o Santos Dumont recebeu quase 4,4 milhões de passageiros pagos, entre embarques e desembarques, apontam dados da Anac.
A quantia equivale a 97,6% do número registrado em igual período de 2019 (4,5 milhões), antes da pandemia.
Voltado para a aviação doméstica, o Santos Dumont tem estrutura menor do que a do Galeão, que também recebe rotas internacionais e exerce papel relevante na logística de cargas no Rio.
O Galeão, por sua vez, somou 2,8 milhões de passageiros pagos de janeiro a junho deste ano. A quantia corresponde a apenas 44,3% (menos da metade) de igual período de 2019 (quase 6,4 milhões).
"Esse esvaziamento do Galeão preocupa muito. Estamos perdendo malha para outros aeroportos", diz Luiz Velloso, assessor da presidência da Fecomércio RJ.
Menos de 20 quilômetros separam os dois terminais cariocas. O Santos Dumont fica no centro do Rio e está mais próximo de pontos turísticos de regiões como a zona sul. Por outro lado, apresenta limitações geográficas.
Já o Galeão está localizado na Ilha do Governador, distante dos demais bairros da região metropolitana, cuja ligação viária é a Linha Vermelha, local frequente de trânsito e tiroteios. O terminal foi planejado para receber aeronaves de grande porte.
Com o cenário de dificuldades, a concessionária RIOgaleão confirmou em fevereiro o pedido de devolução da concessão do aeroporto internacional.
A partir do anúncio, o governo federal passou a prever a relicitação em conjunto com o Santos Dumont, que hoje está sob responsabilidade da Infraero. Ou seja, ambos podem ir para as mãos de um único grupo.
O Galeão foi qualificado neste mês para a relicitação. Agora, a RIOgaleão, que é controlada pela Changi Airports, de Singapura, tem até novembro para firmar um termo aditivo ao contrato.
A ideia é que o texto oriente as condições de funcionamento do aeroporto durante o processo de relicitação. Sem isso, a qualificação perde seus efeitos.
Em nota, a RIOgaleão afirma que cumpre o cronograma estabelecido pelo governo federal e que está comprometida com o prazo estabelecido para assinatura do aditivo.
"Não há uma única razão para explicar o esvaziamento do Galeão. É um processo gradativo. Não aconteceu de ontem para hoje", diz o economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria.
Ele lembra que a Covid-19 atingiu em cheio o turismo internacional, e as companhias tiveram de redesenhar a oferta de voos.
"A pandemia acelerou isso [esvaziamento do Galeão]. Fragilizou as empresas de aviação e o sistema aeroportuário no geral", afirma.
"Também existe uma disputa [do Galeão] com Guarulhos. Guarulhos está mais próximo do centro de negócios do país, o que é uma vantagem", acrescenta.
Para Marcus Quintella, diretor do centro de estudos FGV Transportes, as dificuldades do aeroporto carioca também estão associadas a questões como a violência urbana, que joga contra o desembarque de turistas de fora do país.
"A pandemia agravou a crise. Já vínhamos de instabilidades, este ano teve a Guerra da Ucrânia, tudo isso cria um cenário desfavorável para o turismo", aponta.
A promessa do governo federal de relicitar o Galeão em conjunto com o Santos Dumont veio após uma série de divergências com lideranças fluminenses.
A intenção inicial do Ministério da Infraestrutura era colocar o terminal do centro do Rio na sétima rodada de concessões aeroportuárias, que ocorreu na quinta-feira (18) e teve Congonhas como a joia da coroa.
Empresários e políticos do Rio, contudo, temiam que, sem algum tipo de restrição a novos voos, a operação poderia turbinar o Santos Dumont e aprofundar a crise no Galeão.
Em meio ao impasse, houve a criação no começo do ano de um grupo de trabalho para discutir a concessão do Santos Dumont. A iniciativa reuniu representantes do governo federal e do estado.
É a recriação desse grupo que empresários fluminenses defendem para analisar a modelagem do leilão dos dois terminais. O colegiado teve as atividades encerradas após a retirada do Santos Dumont do leilão da sétima rodada.
"O grupo de trabalho já deveria ter sido instituído", diz Delmo Pinho, assessor da presidência da Fecomércio RJ.
Eduardo Rebuzzi, presidente do Conselho Empresarial de Logística e Transporte da ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro), vai na mesma linha. "Se reativarmos o grupo, a gente pode avançar mais nos processos."
Em nota, o Ministério da Infraestrutura afirma que as "contribuições formuladas" nas reuniões do começo do ano sobre o Santos Dumont e a necessidade de sinergia com o Galeão "estão sendo consideradas" na formatação da oitava rodada de concessões.
"Somente no Santos Dumont são esperados R$ 1,3 bilhão em investimentos privados durante a duração do contrato. Estudos estão em andamento para aprimorar a proposta de concessão conjunta e prever a quantidade de recursos necessária à revitalização do Galeão", diz a pasta.
"Três consórcios foram autorizados pelo MInfra a realizar os estudos de viabilidade do aeroporto, por meio de Processo de Manifestação de Interesse (PMI). Depois de selecionados e aprovados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), esses estudos serão compartilhados para consulta pública, momento em que todos os interessados poderão novamente contribuir", acrescenta.
No primeiro semestre deste ano, o Santos Dumont teve 42 mil pousos e decolagens. É um avanço de 1,3% em relação a igual período de 2019 (41,5 mil), segundo dados da Anac.
No Galeão, o número de pousos e decolagens de janeiro a junho deste ano ficou em 19,7 mil. A marca equivale a 45,8% do nível verificado no mesmo intervalo de 2019 ?quase 43 mil.
Recentemente, a Fecomércio RJ, a ACRJ e a Firjan, que representa a indústria no Rio, enviaram uma carta para a Anac em que citam a "falta de coordenação de voos" e a "canibalização" dos terminais.
Um dos argumentos das lideranças empresariais é a defesa de restrições à expansão das operações no Santos Dumont, como instrumento para preservar a qualidade dos serviços no local e as atividades do Galeão.
A Anac, por sua vez, afirma que "não interfere na liberdade tarifária e de rotas das companhias aéreas".
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