SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com o início da Guerra da Ucrânia e o distanciamento imposto ao governo russo, os países europeus têm entrado em alerta sobre os riscos de uma crise de energia no continente, conforme o inverno se aproxima.

Criticado no exterior pelo aumento do desmatamento e por um discurso agressivo contra comunidades indígenas e quilombolas, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) tem aproveitado o aumento do uso de carvão na Europa e os movimentos recentes de compra de gás para rebater críticas à política ambiental e tentar mudar o tom nas exigências feitas ao Brasil.

Durante um evento com empresários da indústria na última terça-feira (23), em São Paulo, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse que questionou recentemente um embaixador alemão sobre as críticas feitas ao governo Bolsonaro, apontando que o país europeu buscou o Qatar, no Oriente Médio, para comprar gás, após a Guerra da Ucrânia.

"A Alemanha, por exemplo, está em uma encruzilhada pela busca de energia via carvão. Triplicou o preço do carvão e eles não conseguem transportar, por causa da seca nos rios", disse Leite.

"Então, eles foram buscar gás no Qatar e uma crítica minha ao embaixador alemão foi: espera um minuto, vocês vão buscar gás de um país que não protege minorias e vêm aqui falar de desmatamento, de índio, daquilo, de quilombola? Mas quando você precisa do seu gás, esquece tudo aquilo e corre lá?", questionou o ministro.

A economia da Alemanha perderá mais de EUR 260 bilhões (R$ 1,3 trilhão) em valor agregado até 2030 devido à Guerra da Ucrânia e aos altos preços da energia, com efeitos negativos para o mercado de trabalho, de acordo com um estudo do IAB (Instituto de Pesquisa de Emprego).

O PIB (Produto Interno Bruto) ajustado aos preços da Alemanha será 1,7% menor e haverá cerca de 240 mil pessoas a menos empregadas, segundo o estudo.

Ao relatar a conversa com o embaixador, Leite disse que é preciso trazer um pouco de equilíbrio na discussão. "O Brasil está, sim, preocupado com o que vocês estão fazendo. O acordo do clima, para reduzir as emissões está ao contrário, vocês estão aumentando as emissões [com uso de carvão]."

Segundo o ministro, o embaixador retrucou que a medida é passageira, fruto de uma emergência. Leite disse, então, que não iria escalar o tema como deveria, mas afirmou que os dois países precisavam ser parceiros reais.

Na segunda-feira (22), o presidente Bolsonaro, em entrevista ao "Jornal Nacional", da TV Globo, também havia usado uma comparação com a Europa para responder a um questionamento sobre meio ambiente, dizendo que a Amazônia era "do tamanho da Europa Ocidental" e que incêndios florestais também ocorrem em outros países, como a França.

"Quando se fala em Amazônia, o que não se fala também, é na França que há mais de 30 dias está pegando fogo, a mesma coisa está pegando fogo na Espanha e Portugal. Na Califórnia pega fogo todo ano. No Brasil, infelizmente não é diferente, acontece. Grande parte disso aí, alguma parte disso aí é criminoso, eu sei disso, [mas] outra parte é o ribeirinho que toca fogo ali na sua propriedade", disse o presidente.

Com a mudança na geopolítica, Leite disse aos empresários que ficou claro que o Brasil pode ser parte de uma nova cadeia de suprimentos e representar a segurança de energia limpa para a Europa.

Ele também afirmou que houve uma redução nas tensões de antes com os europeus, quando o país foi alvo de crítica pelo aumento do desmatamento ?o que congelou os planos do governo para tirar do papel o acordo entre Mercosul e União Europeia.

A geopolítica mudou muito e o Brasil tem uma oportunidade de aproveitar a possibilidade de geração de energia excedente, disse, ainda, o ministro. "Quando nós fomos lá, apresentamos o potencial que o Brasil tem para produção de energia eólica e o nosso hidrogênio verde custa a metade do preço."

Na última semana, a agência de notícias Reuters apontou que representantes da União Europeia buscaram o governo brasileiro, por meio do Itamaraty e do Ministério da Economia, com o objetivo de avançar nas negociações sobre o acordo com o Mercosul, após longo período de tratativas paralisadas.

O indicativo de reaproximação dos europeus após uma série de entraves para efetivar o acordo é visto no governo brasileiro como um sinal do redesenho das cadeias globais de valor, especialmente após a pandemia e a Guerra da Ucrânia, que teria ampliado o poder do Brasil nas negociações.

Integrantes do governo tiveram uma conversa preliminar com emissários do bloco e uma nova reunião está prevista para ocorrer até o fim de setembro para traçar um cronograma de encontros, disse uma das fontes, que é do governo e falou sob condição de anonimato porque os debates são privados.

Segundo a agência, fontes revelaram que a discussão estava enterrada e o tema voltou justamente porque os europeus precisam de commodities agrícolas, minerais e energéticas e não podem contar mais com a Rússia.

Após 20 anos de negociações, o acordo de livre comércio foi firmado em 2019, no início do mandato do presidente Jair Bolsonaro.

Para que ele passe a valer, no entanto, é preciso ter o aval dos parlamentos dos países, ponto que não avançou diante da pressão dos europeus alegando piora de indicadores ambientais do Brasil.

O movimento contrário, liderado pela França, colocava a destruição da Amazônia como barreira, enquanto dados oficiais recentes mostram que o desmatamento na floresta atingiu recorde nos primeiros sete meses deste ano, e o país caminha para o pior período da temporada anual de queimadas.

Com Reuters


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