SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os juros nos Estados Unidos vão continuar subindo até que a inflação caia a um nível considerado seguro e o Federal Reserve (o banco central americano) prefere pecar pelo excesso, mesmo que isso provoque forte desaceleração da economia, do que correr o risco de perder o controle dos preços.

"Uma falha em restaurar a estabilidade de preços significaria uma dor muito maior", afirmou nesta sexta-feira (26) o presidente do Fed, Jerome Powell, em seu discurso no simpósio de banqueiros centrais em Jackson Hole, um destino turístico do estado do Wyoming, no oeste dos EUA, caracterizado por planícies e montanhas rochosas.

Mercados de ações das principais economias globais aprofundavam perdas após o discurso de Powell.

No Brasil, às 16h27, o índice Ibovespa, referência da Bolsa de Valores, caía 1,16%, aos 112.204 pontos.

O indicador S&P 500, parâmetro para a Bolsa de Nova York, mergulhava 2,91%. Também nos EUA, o indicador Nasdaq, focado em ações do setor de tecnologia, derretia 3,51%.

Na Europa, o indicador que acompanha as principais empresas da região afundou 1,93%.

No câmbio brasileiro, porém, o dólar não conseguia avançar sobre o real, apesar da aversão global aos investimentos de risco. A moeda americana estava cotada a R$ 5,0740, com ligeira queda de 0,68%.

Considerando uma visão de curto prazo, o mercado olha para o simpósio em Jackson Hole para buscar pistas sobre o tamanho da alta da taxa de juros que o Fed irá aprovar em sua reunião de 20 e 21 de setembro.

Em um cenário em que o Fed considere a necessidade continuar subindo a taxa de forma agressiva, analistas estimam uma elevação de 0,75 ponto da taxa, atualmente na casa de 2,5% ao ano.

Esse foi o aumento aplicado nas duas últimas reuniões da autoridade monetária.

Para aqueles que esperam uma postura mais branda, a expectativa é de que a taxa suba em 0,50 ponto percentual. Após a fala de Powell, porém, é possível que as apostas em 0,75% ganhem um pouco mais de força.

Priscila Alves, especialista em finanças do BRA, escritório credenciado da XP Investimentos, afirmou que o discurso de Powell "colocou as expectativas nos eixos e [jogou] um balde de água fria naqueles mais lenientes com inflação".

Alves se refere ao movimento de alta iniciado nos mercados de ações após dados recentes da economia americana indicarem que a inflação está perdendo força.

Em seu discurso desta sexta em Jackson Hole, o presidente do Fed enfatizou que o aperto à taxa de crédito vai "continuar até que o trabalho seja feito", enderençando a fala justamente à parcela do mercado mais otimista quanto a uma eventual proximidade do fim do ciclo de alta dos juros nos EUA.

Mas não é o ajuste do próximo mês o sinal mais importante no contexto do encontro anual realizado à beira do lago Jackson, cujo nome é compartilhado com o vale onde fica o hotel que recebe o evento.

O encontro organizado pelo departamento do Fed de Kansas City há mais de quatro décadas tem como principal característica antecipar tendências da economia global para os próximos meses ou até mesmo anos, segundo Ricardo Hammoud, professor de macroeconomia no Ibmec-SP.

Nesse sentido, o recado mais importante do simpósio ocorrido nesta semana é que o aperto monetário ?o encarecimento do crédito para tirar dinheiro de circulação e, assim, forçar os preços para baixo? poderá durar mais tempo do que muita gente no mercado imaginava, mesmo que o órgão reduza desaperte o passo na próxima reunião.

Uma possibilidade um período prolongado de elevações mais brandas, de 0,50 pontos percentuais a cada reunião ou mesmo em intervalos maiores, avalia Fabio Fares, especialista em análise macro da Quantzed.

"O problema é que o mercado, na antecipação da euforia, já estava prevendo corte de juros no ano que vem. E isso não é real", afirma Fares.

POR QUE OS JUROS NOS EUA IMPORTAM TANTO

Juros e inflação da principal economia do planeta têm impacto na flutuação do câmbio e nos preços das ações negociadas nas Bolsas de Valores de todo o mundo. Também afetam investimentos públicos e privados e a geração de empregos no mundo.

O grupo responsável por discutir esses temas nos Estados Unidos é chamado de Fomc, sigla em inglês para Comitê Federal de Mercado Aberto.

Esses conselheiros debatem a meta de juros dos fundos federais em oito reuniões ao longo do ano. A tarefa é semelhante à do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central do Brasil.

A taxa das operações de mercado do Fed influencia os juros cobrados nos empréstimos que os bancos privados realizam entre si, um instrumento importante para o ajuste de caixa realizado todos os dias pelas instituições financeiras.

Os juros das operações entre os bancos são refletidos no custo do crédito em geral, como nos empréstimos pessoais, financiamentos imobiliários e outros.

Controlar o crédito é uma forma de regular a quantidade de dinheiro em circulação e, consequentemente, de manter a inflação em níveis aceitáveis. É o que os economistas chamam de política monetária. Essa é a missão básica dos bancos centrais.

Quando os juros estão baixos, o crédito fica mais acessível. O baixo custo do empréstimo estimula pessoas a comprar bens e a consumir. Empresas colocam projetos em curso e geram mais empregos.

Por isso o Fomc rebaixou a sua meta de juros para zero quando a pandemia de Covid paralisou atividades econômicas globais em março de 2020. A ideia era colocar mais dinheiro em circulação através do crédito frouxo e, assim, evitar uma explosão de demissões.

Em tempos de dinheiro abundante e barato, grandes investidores ficam mais dispostos a comprar ações de empresas de países de economia emergente, como é o caso do Brasil, um tipo de aplicação considerada arriscada devido à instabilidade desses mercados. Os recursos permitem o crescimento de negócios e a geração de trabalho e renda.

Em situação oposta à oferta generosa de crédito barato, o aperto da política monetária (elevação dos juros) nos Estados Unidos prejudica o Brasil e outros emergentes porque, simplesmente, há menos capital disponível para investimentos.

Ao aumentar os juros, o Fed eleva a recompensa para quem aplica no Tesouro americano, cujo risco de perdas devido a um calote é considerado inexistente.

Com uma opção segura pagando mais, os investidores ficam mais seletivos. Muitos desistem das ações de empresas, principalmente as mais arriscadas.

Outros bancos centrais são forçados a elevar juros para convencer investidores de que o retorno oferecido por seus títulos soberanos compensa o risco que eles correm ao não levarem seus dólares para os EUA.

Se os dólares voltam para a renda fixa americana em larga escala, a taxa de câmbio dispara e os custos de importação sobem. Matérias-primas, cujos preços são dolarizados, também ficam mais caras.


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