FELIPE NUNES

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Financeiras oferecem outro crédito a famílias; especialistas alertam para risco de endividamento

(FOLHAPRESS) Em 01/09/2022 12h10

O anúncio do empréstimo consignado ligado ao Auxílio Brasil gerou uma busca de beneficiários do programa social a instituições financeiras. Interessados no empréstimo anunciado pelo governo federal -que ainda não passou a valer-, muitos beneficiários firmam contratos de empréstimo pessoal acreditando se tratar do crédito consignado divulgado pelo governo federal.

A reportagem da Folha apurou que a confusão ocorre pela exigência de documentação específica e pela escolha da data de pagamento do empréstimo, que deve coincidir com o dia de recebimento do benefício.

Para especialistas, a oferta de crédito para famílias de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social pode aprofundar ainda mais o endividamento das famílias.

O governo prevê que o consignado do Auxílio Brasil começará em meados de setembro. Segundo o Ministério da Cidadania, é preciso aguardar a publicação de regulamentação do órgão para, só depois, assinar contrato com as entidades que poderão oferecer o empréstimo com desconto direto no benefício.

Moradora do Rio de Janeiro, uma beneficiária do Auxílio Brasil que pediu para não ser identificada disse ter conseguido o empréstimo pessoal quatro dias após entrar em contato com uma financeira. Ela soube da modalidade por meio de publicações nas redes sociais.

Entre os documentos para contratar o empréstimo foram exigidos o extrato de conta do Auxílio Brasil, o documento do CadÚnico e um extrato bancário da conta no Caixa Tem contendo a data do pagamento do último benefício.

"Vão descontar as parcelas direto do meu auxílio a partir do mês que vem", disse.

O advogado Alexandre Ricco, do escritório Ferreira e Ricco Advogados, explica que o desconto direto na folha de pagamento é uma característica do empréstimo consignado, não do pessoal -que depende da boa-fé do consumidor para ser pago.

Caso a parcela do empréstimo não seja quitada no dia programado para o pagamento, a instituição cobra juros e multa.

O empréstimo é um dos principais assuntos discutidos em grupos nas redes sociais que reúnem beneficiários do programa, onde os agentes financeiros também divulgam as ofertas de crédito. São cerca de 90 grupos apenas no Facebook.

Apesar de tentativas de alerta, muitos são atraídos pelo crédito fácil. "Não é empréstimo consignado, é pessoal", afirma uma participante. Outra rebate: "Dá no mesmo, você vai pagar com teu auxílio."

A coordenadora do programa de serviços financeiros do Idec (Instituto de defesa do Consumidor), Ione Amorim, diz que a prática pode ser vista como abusiva. Ela afirma que a oferta não chega a ser considerada ilegal -pois acompanha a taxa de juros praticada no mercado.

"Além de não ajudar as famílias, que por alguma necessidade estão precisando de crédito, ela contribui para a piora da situação de endividamento."

Especialista em direito bancário e do consumidor, o advogado diz não ser irregular a empresa exigir a comprovação de renda do cliente para a concessão de crédito.

"Normalmente, as financeiras vão querer entender qual é a capacidade de pagamento daquele cliente. Se ele [consumidor] atrela essa capacidade de pagamento ao recebimento de um benefício, a instituição financeira vai pedir essa informação."

Mas para a coordenadora do Idec, a concessão de crédito para beneficiários do Auxílio Brasil, por parte das financeiras, deveria ser fiscalizada pelo BC (Banco Central).

"A gente tem observado uma fragilidade na fiscalização do Banco Central com relação às modalidades de crédito que vêm surgindo", diz.

Procurado, o BC informou por meio de sua assessoria de imprensa de que não iria se manifestar.

A Lei do Superendividamento protege o consumidor Desde que entrou em vigor em 2021, a Lei do Superendividamento aumentou a responsabilidade das empresas para proteger o consumidor de contrair um número excessivo de dívidas, afirma Guilherme Farid, diretor do Procon-SP.

Entre os objetivos da lei está o de evitar o assédio ou a pressão pelas instituições financeiras aos consumidores mais vulneráveis, além de trazer a possibilidade de conciliação entre consumidor e credor.

Farid afirma que o órgão não foi acionado para apurar irregularidades em relação ao fornecimento de crédito para beneficiários do Auxílio Brasil, mas que fiscaliza e acompanha como o serviço é oferecido. No entanto, ele pede cautela.

"Será que o fornecimento de crédito atrelado ao Auxílio não está comprometendo uma renda que o consumidor tem para subsistência? Amanhã, se o consumidor sequer tiver acesso a essa renda, qual outro socorro que se tem depois de ele ter comprometido seu benefício?"

Beneficiários recorrem ao empréstimo para itens essenciais Desempregada e com um filho de 3 anos, a mãe solteira Jasselmara Seermann, 23, não estava conseguindo arcar com as despesas básicas para sobreviver apenas com a parcela de R$ 600 do Auxílio Brasil.

Com dificuldades para comprar alimentos e correndo o risco de ter a energia elétrica cortada por falta de pagamento, ela esperava ansiosa pela liberação do consignado do Auxílio Brasil. Por conta da urgência, recorreu a um empréstimo pessoal oferecido por uma financeira. "Estava sem nem 1 litro de leite em casa para dar para o meu filho. Precisava do dinheiro para ontem."

Jasselmara soube da linha de crédito disponível para beneficiários do Auxílio Brasil também nas redes sociais. Não era necessário ter o nome limpo, mas era preciso comprovar fazer parte do programa que substituiu o Bolsa Família.

Três dias após fazer contato com o agente financeiro e de enviar a documentação por meio de um aplicativo de troca de mensagens, o dinheiro caiu na conta.

Ela pegou emprestada a quantia de R$ 339,11 e terá que pagar o valor de R$ 600 para a financeira, divididos em seis parcelas de R$ 100 cada. A cobrança começa em setembro. "Vai ficar pesado, mas quando a gente precisa, não pensa na hora."


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