SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2021, o canadense David Card, 66, afirma que se inflação norte-americana obrigar o Federal Reserve a acelerar o aumento dos juros, os efeitos serão "devastadores" para os Estados Unidos, maior economia do mundo.
Radicado nos EUA, onde leciona na Universidade da Califórnia em Berkeley, Card afirma que três fatores colocam a economia global em risco.
"Há muita incerteza. O cenário otimista é que inflação modere e o Fed não tenha que aumentar tanto os juros; que haja um desenlace razoável na Ucrânia; e que a China se recomponha de seus problemas", diz.
"Dependendo do desfecho, qualquer um desses fatores pode atrapalhar os Estados Unidos; e os três juntos podem causar um grande estrago", disse, em entrevista à Folha.
Em 12 meses, a inflação norte-americana atingiu 8,3%, e a expectativa de que agosto registrasse deflação se frustrou ?a alta foi de 0,1% sobre julho.
O economista ressalta que muitos consumidores norte-americanos dependem de empréstimos de curto prazo, e que o aumento dos juros afetaria diretamente a renda.
Card venceu o Nobel por pesquisas relacionadas ao mercado de trabalho. Ele afirma que embora a taxa de desemprego nos EUA esteja baixa (3,7% em agosto), os rendimentos estão "achatados".
"Vemos muitas empresas contratando, e uma das razões para isso é que elas podem vender seus produtos 8% mais caros do que no ano passado [por conta da inflação], mas estão pagando só 4% a mais em salários", diz Card.
"É uma situação estranha, em que os salários reais diminuíram, apesar do crescimento da economia. Está difícil prever para onde as coisas estão indo."
O economista afirma que uma das razões para o mercado de trabalho estar aquecido nos EUA, com pessoas trocando de empregos em ritmo inédito, é que grande parcela dos chamados "baby boomers" (nascidos na euforia do pós-Segunda Guerra) está se aposentando ?abrindo vagas no mercado.
"Por um período longo, as empresas americanas conseguiram empregados sem se preocupar muito com o aumento dos salários ou a qualidade dos trabalhos, e o nível de vida dos americanos vem caindo há muitos anos", diz.
"Isso mudou. Hoje, são os trabalhadores que escolhem seus trabalhos, e os empregadores estão se dando conta de que devem fazer algo a respeito. Mas ainda está difícil apontar corretamente o que está acontecendo. Creio que isso vai ser assunto para muitos anos à frente."
Card afirma, no entanto, que o cenário global de incerteza pós pandemia ?com inflação alta em vários países, Guerra da Ucrânia e China desacelerando? tem levado as empresas a manter um pé atrás em relação a compromissos de longo prazo com trabalhadores.
"As empresas estão tendendo a não se comprometer com os trabalhadores por não saberem exatamente se vão precisar deles no futuro. Há também muita insegurança sobre que tipo de trabalhadores serão necessários."
Ele afirma que países como França, Espanha, Portugal e Itália têm registrado um aumento importante de trabalhadores mais jovens em contratos temporários e não formais.
"Países como a Coreia têm o mesmo problema com seus jovens. Embora os coreanos sejam muito bem educados, com uma das maiores taxas de jovens em universidades no mundo, muitos só encontram ocupações informais ou trabalhos temporários, o que causa muita frustração", diz.
Card estará no Brasil na semana que vem para dar uma conferência sobre mercado de trabalho e salários e participar de um seminário sobre informalidade e rendimentos na América Latina, ambos no Insper.
O economista considerou "notável" a redução da informalidade no Brasil no início da década passada, atribuída ao maior dinamismo da economia com o boom dos preços das commodities na segunda metade dos anos 2000
"Naquele período, combinado com o aumento do nível educacional, a desigualdade também diminuiu. Aquilo chegou ao final, mas não é inexorável que a situação da informalidade permaneça assim", diz.
Do total dos brasileiros ocupados no final do segundo trimestre, 40% estavam na informalidade.
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