SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em junho, tentativas de mexer na diretoria da Petrobras colocaram a Lei das Estatais na linha de fogo do governo, provocando um inusitado alinhamento entre Jair Bolsonaro (PL), membros do Centrão e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Na época, a deputada petista chegou a dizer que a legislação criminalizava a política e que concordaria com Arthur Lira (PP) se ele propusesse uma discussão sobre mudanças no texto.

Agora, na reta final da campanha pela Presidência, o partido do candidato Luiz Inácio Lula da Silva adotou um tom mais elogioso à lei, que conta com certo apreço do mercado financeiro ao criar mecanismos para blindar as estatais contra ingerência política.

Em geral, os candidatos têm evitado atacar a legislação durante a corrida eleitoral, embora sugiram mudanças pontuais no texto. Ainda assim, dos quatro melhores colocados nas pesquisas -que juntos representam cerca de 90% das intenções de voto-, apenas Simone Tebet (MDB) cita a Lei das Estatais no programa de governo protocolado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A Lei de Responsabilidade das Estatais (13.303/2016), sancionada em 2016 pelo então presidente interino Michel Temer (MDB), foi aprovada em resposta a uma série de investigações que apontaram uso político das empresas em administrações anteriores.

Na época, falava-se que um dos principais objetivos do projeto era a profissionalização da gestão das estatais. Por isso, foram criadas novas regras, proibindo, por exemplo, a indicação de dirigentes partidários ou de políticos que tivessem disputado eleições nos 36 meses anteriores. Contudo, o texto é amplo e versa sobre aspectos que vão desde o regime societário até a padronização de procedimentos para licitações.

Lula (PT) Quando a legislação entrou na mira de Bolsonaro -após tentar trocar o presidente da Petrobras por insatisfação com um reajuste no preço dos combustíveis-- Gleisi discursou no plenário da Câmara para defender alterações, dizendo que um governo eleito pelo povo tem que poder dar a linha de atuação para as estatais.

A parlamentar destacou que a lei proíbe que candidatos que tenham participado de eleições há quatro anos sejam indicados a cargos de diretoria nas estatais. "Não pode ser político nem líder de partido, como se ser político fosse crime. E nós sabemos como funciona. Quem pratica crime, quem vem para cima é a iniciativa privada. É a iniciativa privada que corrompe, e aí eles fizeram isso: não pode ser político", disse.

Recentemente, interlocutores do partido com o mercado começaram a dizer que Lula não vai mexer na Lei das Estatais -embora o candidato reforce sua intenção de mudar a política de preços da Petrobras.

Em nota, a campanha do ex-presidente diz que a lei trouxe inegáveis avanços para a governança das empresas públicas e sociedades de economia mista, acrescentando que a legislação é fruto de uma intensa agenda de discussão de boas práticas tocada durante os governos do PT.

"É importante respeitar os avanços advindos da Lei das Estatais. O melhor caminho é no sentido de ampliar e aperfeiçoar a governança das estatais para assegurar a observância, em especial, da função social, do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional que justificou a criação da empresa, visando, assim, sempre em primeiro lugar, atender o interesse público", diz o comunicado.

A campanha de Lula ainda destaca compromissos com o aperfeiçoamento dos mecanismos de integridade das companhias para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social, produtivo e ambiental do país.

"Adotamos medidas fundamentais nesse sentido nos governos do PT; fomos nós que, por exemplo, aprovamos a Lei de Acesso à Informação e obrigamos as estatais a publicarem até os salários de seus funcionários", conclui.

Jair Bolsonaro (PL) O presidente Jair Bolsonaro (PL) não diz em seu plano oficial de governo como pretende lidar com a Lei das Estatais. Procurada pela Folha de S.Paulo para comentar sobre os planos do candidato, a campanha não respondeu aos pedidos da reportagem.

Há poucos meses, contudo, membros do centrão -grupo de partidos que fazem parte da base aliada do governo-- defendiam a flexibilização da lei para facilitar trocas no comando da empresa. "O que se pretende é uma solução mais rápida para a substituição quando houver necessidade", disse o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), na época.

Bolsonaro chegou a estudar uma MP (Medida Provisória) para alterar a legislação, mas depois disse que não pretendia mexer na base do "canetaço".

O presidente também foi acusado de descumprir a Lei das Estatais. Primeiro, ao nomear o atual presidente da Petrobras, Caio Mario Paes de Andrade, cujo currículo foi colocado em dúvida diante dos requisitos estabelecidos na lei -como experiência no setor de óleo e gás e formação acadêmica e profissional.

Mais recentemente, a insistência do governo em eleger membros para o conselho da petroleira também foi vista como um ataque à governança. No último dia 19, o governo passou por cima das regras e nomeou duas pessoas rejeitadas por comitê interno e pelo próprio colegiado por existência de conflito de interesses.

Ciro Gomes (PDT) Ciro também faz críticas à política de preços da Petrobras e, em seu plano de governo, diz que uma das prioridades é fazer mudanças no sistema -embora não ofereça detalhes.

Hoje, os preços da companhia acompanham a variação do petróleo e da taxa de câmbio, o que tem sido alvo do candidato, para quem a Petrobras "só beneficia os importadores e os acionistas", enquanto prejudica a sociedade brasileira, dado seu impacto na inflação.

O economista Nelson Marconi, coordenador do programa de governo do Ciro, diz que a campanha não definiu nenhuma alteração específica em relação à Lei das Estatais, mas entende que o texto deixa alguns aspectos contraditórios -especialmente em relação à função social das empresas.

"Ela é uma lei que disciplina as estatais e as sociedades de economia mista, mas as mudanças acrescidas na última revisão tentaram reduzir a interferência do Estado no processo decisório dessas empresas", diz. "Entendemos que alguns desses pontos são problemáticos para a gestão pública", acrescenta.

Segundo ele, a legislação traz aspectos importantes relacionados à transparência, governança e prestação de contas. O questionamento, contudo, é em relação a uma tentativa de barrar que as empresas explorem atividades econômicas em condições distintas às companhias privadas. "É bem contraditório com o que se espera do setor público", diz. "Esse é um problema grande na lei."

Simone Tebet (MDB) Única a mencionar a Lei das Estatais no plano de governo protocolado no TSE, a candidata do MDB diz que pretende implantar e aprofundar os avanços da legislação, garantindo a qualificação e a independência dos membros dos conselhos e das diretorias das estatais de capital aberto.

Procurada para detalhar a proposta, a campanha de Tebet disse que o atual governo viola reiteradamente a legislação, sem maiores consequências. "A União, como acionista controladora, deve proteger o interesse da empresa, e a lei deve ser alterada para limitar as demissões por razões políticas e tipificar como improbidade administrativa a conduta de ingerência indevida na autonomia dos Conselhos de Administração de sociedades de economia mista de capital aberto", diz, em nota enviada.

Segundo a campanha da candidata, a ideia é tirar a autonomia da mão de quem tem competência para passá-la a quem não tem capacidade e conhecimento, por interesse político ou partidário.

Em julho, Tebet havia apresentado um projeto para alterar a Lei das Estatais e exigir a existência de Ouvidorias da Mulher ligadas ao Conselho de Administração. A proposta foi protocolada após as denúncias envolvendo o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Guimarães.


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