BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O novo bloqueio no Orçamento de 2022 vai atingir emendas parlamentares que foram liberadas há apenas duas semanas, o que irritou integrantes do Congresso Nacional e criou confusão entre aliados do governo Jair Bolsonaro (PL) -que vinham sendo beneficiados pela medida às vésperas da eleição.

O bloqueio atrapalha os planos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que queriam acelerar a execução das chamadas emendas de relator diante do risco de revés em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a legalidade do instrumento.

As emendas de relator são usadas como moeda de troca nas negociações políticas com o Congresso e costumam privilegiar aliados do Planalto.

Neste ano, há uma reserva de R$ 16,5 bilhões para essas emendas, valor maior que o disponível para muitos ministérios. Mas, até o início de setembro, uma fatia de R$ 7,6 bilhões estava bloqueada para assegurar o cumprimento do teto de gastos --regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

Em 6 de setembro, Bolsonaro editou um decreto para antecipar a liberação de R$ 3,5 bilhões em emendas de relator e outros R$ 2,1 bilhões para ministérios, na expectativa de que o relatório bimestral de avaliação do Orçamento apontasse na sequência a viabilidade desse alívio.

Mas não é o que o relatório deve mostrar. Técnicos do governo identificaram um crescimento inesperado de despesas com benefícios previdenciários, o que reduziu o espaço orçamentário.

A dificuldade ocorre principalmente porque a despesa com Previdência subiu R$ 5,6 bilhões, graças à redução da fila do INSS, que estava próxima de 1,7 milhão de pedidos em espera em abril e caiu a 1,1 milhão em agosto. O gasto com BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, também aumentou.

Se por um lado a redução da fila é um alívio para os segurados, que só recebem os valores após a análise do requerimento de benefício pelo órgão, por outro significa fatura adicional para o governo -o que retira espaço do teto de gastos. Até agora, a fila elevada acabava cumprindo um papel de contenção de despesas.

Por isso, o governo precisará recuar da liberação e bloquear novamente cerca de R$ 2,7 bilhões em recursos, segundo as estimativas desta quarta-feira (21) e que ainda estão em discussão entre os técnicos. O anúncio oficial será feito nesta quinta-feira (22).

Parte do valor a ser travado mais uma vez virá das emendas, segundo fontes do governo. Membros do Congresso que atuam na negociação das verbas de relator já foram avisados pelo Ministério da Economia nesta quarta sobre a mudança nos planos.

O Congresso tinha a expectativa de que mais emendas fossem desbloqueadas até o fim de setembro -abrindo caminho para a retomada das tratativas dos recursos que foram guardados para negociações políticas após a eleição.

Hoje, as emendas cuja execução está suspensa somam R$ 4,1 bilhões, mas o valor vai subir com o novo bloqueio.

O valor é similar ao montante de R$ 4,5 bilhões que ainda está nas mãos de Lira para ser negociado com congressistas a partir de outubro --mas cuja liberação vai depender de espaço extra no Orçamento nos próximos meses.

O bloqueio das emendas nem foi oficializado e já gerou incômodo entre aliados do presidente da Câmara. Deputados da base de Bolsonaro reclamam que foram para a campanha sem terem sido beneficiados por emendas de 2022.

Em julho, quando o bloqueio das emendas chegou ao seu patamar mais elevado (R$ 7,6 bilhões), Lira reclamou com o Planalto, mas depois o clima foi apaziguado. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a cúpula do Congresso recebeu, na época, a sinalização do Executivo de que as emendas parlamentares seriam liberadas após as eleições.

Lira havia avisado a líderes partidários e a integrantes dos principais partidos alinhados a Bolsonaro, como PP, PL e Republicanos, que as emendas estariam garantidas até o fim do ano. Mas, por dificuldades orçamentárias, o governo dá neste momento um sinal contrário em relação ao cumprimento desse acordo.

A manobra malsucedida de Bolsonaro para acelerar as emendas teve como pano de fundo uma preocupação de Lira e Ciro Nogueira com uma eventual decisão desfavorável no STF e a pressão de congressistas aliados para serem beneficiados por emendas na campanha eleitoral.

A presidente da corte, Rosa Weber, pretende, após as eleições, levar ao plenário as ações que questionam a constitucionalidade das emendas de relator -dada sua falta de transparência e equidade na distribuição dos recursos.

Técnicos do governo reconhecem haver essa preocupação, mas afirmam que, com o novo corte, não há mais possibilidade de acelerar a execução dessas emendas, como queria a ala política.

Ao serem avisados sobre o novo bloqueio nesta semana, integrantes do Congresso chegaram a acionar ministérios contemplados por suas indicações para, em uma última cartada, empenhar o máximo possível dos valores até o fim desta quarta. O empenho representa a primeira etapa do gasto, quando é feita a reserva do dinheiro para bancar a contratação de máquinas ou execução de serviços, como obras.

Nas duas semanas em que parte das emendas ficou desbloqueada, o governo conseguiu empenhar R$ 443,9 milhões até segunda (19). O principal beneficiado foi o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

O ritmo lento das pastas tem sido criticado por membros do Congresso, embora a execução tenha tido picos de mais de R$ 100 milhões por dia após o decreto mais recente de Bolsonaro.

A justificativa dada por técnicos para a lentidão dos empenhos é que o processo burocrático emperra a execução rápida da emenda. Em alguns casos, por exemplo, a Caixa precisa aprovar os projetos.

Por causa da campanha eleitoral, Lira e outros deputados estão nos estados em busca da reeleição ou na tentativa de emplacar aliados políticos em cadeiras do Congresso.

A previsão é que, a partir de outubro, a cúpula da Câmara volte a negociar as emendas de relator, tendo em vista a nova composição do Legislativo. Trata-se de estratégia de Lira para tentar ficar no comando da Casa em 2023 e 2024.

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VAIVÉM DAS EMENDAS

30 de março

Após reavaliação do Orçamento em 22 de março, governo efetiva bloqueio de R$ 1,7 bilhão nas emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações com o Congresso

29 de julho

Necessidade de cortes no Orçamento cresce, e governo efetua novo bloqueio sobre as emendas; valor travado chega a R$ 7,6 bi

29 de agosto

Em relação às reclamações da cúpula do Congresso sobre as emendas, Bolsonaro edita duas MPs cortando gastos de ciência e tecnologia e adiando para 2023 repasses aprovados pelo Congresso para o setor cultural (lei Aldir Blanc), conseguindo um alívio de R$ 5,6 bilhões em 2022

6 de setembro

Na noite da véspera do feriado, Bolsonaro edita decreto autorizando a incorporação do alívio proporcionado pelas duas MPs; são liberados R$ 3,5 bilhões para as emendas de relator (restando R$ 4,1 bilhões bloqueados)

Semana de 19 de setembro

Ao formular o relatório de receitas e despesas, governo identifica aumento expressivo nos gastos com Previdência devido à redução da fila de espera e se vê forçado a recuar da liberação das emendas; valor do novo bloqueio é estimado em R$ 2,7 bilhões, e parte deve atingir os recursos indicados por parlamentares


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