SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A oferta bilionária de ações concluída no início de setembro pela empresa de resseguros IRB jogou luz sobre uma operação conhecida no jargão de mercado como "venda a descoberto".
Nesse tipo de operação, em vez de comprar uma ação na expectativa de que ela venha a subir de preço, o investidor faz uma aposta contrária, esperando que a ação se desvalorize nos pregões futuros.
Para fazer isso, o investidor que aposta na queda de determinada ação, conhecido como tomador, aluga-a de outro investidor que tenha o papel em carteira, o doador, em troca de uma taxa de remuneração variável.
Ele então vende a ação, baseado na previsão de que ela irá cair de preço, para recomprá-la mais tarde por um valor menor e devolver ao doador, obtendo o ganho dessa diferença entre o valor pelo qual vendeu e posteriormente recomprou a ação.
O serviço é oferecido pelas corretoras de valores, pelas quais o investidor informa quais os ativos que deseja emprestar ou alugar.
O principal custo relacionado é referente à taxa de aluguel paga ao doador para que se possa fazer a venda de determinado ativo, que varia conforme a demanda.
No caso das ações do IRB, com a procura crescente dos investidores pelo aluguel dos papéis nas últimas semanas, a taxa média de remuneração alcançava 260% em 2 de setembro, segundo dados da plataforma TradeMap.
Apenas como base de comparação, a segunda maior taxa na data, referente aos papéis da TC (antiga Traders Club), era de 50,3%.
"Após o anúncio da oferta de ações, muitos investidores quiseram tomar as ações do IRB emprestadas para vender. Quando isso acontece, as taxas de aluguel do papel sobem muito e muito rápido", diz Yves Salomão, operador de aluguel e opções da Genial.
Gerente de Produtos da B3, Gabriela Shibata diz que a estrutura de mercado para esse tipo de estratégia no Brasil é mais robusta do que a de outros países, o que protege o processo de formação de preços de ações e garante a solidez do mercado.
"No caso do empréstimo de ativos, por padrão, os limites estabelecidos por investidor e por mercado não podem ser superiores a 5% e 25%, respectivamente, do free float da ação (total de ativos em circulação)", afirma a especialista.
No entanto, com a oferta anunciada em agosto pelo IRB, e a aposta majoritária do mercado de que ela não será suficiente para colocar a empresa de volta aos trilhos, a B3 chegou a aumentar de 25% para 30% o limite percentual de ações da resseguradora que podem ser alugadas em relação ao total em circulação no mercado.
De toda forma, por ser um papel de baixa liquidez na comparação com as maiores ações da Bolsa --das grandes exportadoras de commodities e das instituições financeiras--, as do IRB não chegavam a figurar entre as de maior volume financeiro em ações alugadas.
Os papéis da resseguradora somavam um volume financeiro alugado de R$ 725 milhões em 2 de setembro, enquanto Petrobras e Vale, de liquidez bem maior, perfaziam cerca de R$ 6,3 bilhões cada uma, com taxas de remuneração de 0,03% e 0,17%, respectivamente.
ALUGUEL E GARANTIA FINANCEIRA
Chefe de análise de ações da Órama, Phil Soares diz que, para ser concretizada, a operação de empréstimo de ações depende de haver doadores suficientes dispostos a alugar seus papéis em troca da taxa de remuneração.
Nesse tipo de operação, acrescenta, existe o risco de o doador solicitar a devolução da ação antes da data previamente acordada, o que pode resultar na venda forçada pelo tomador sem que o preço da ação tenha atingido o valor previsto para lucrar com o negócio.
"Esse é um fator relevante que tem de estar na mente dos investidores antes de fazer a operação", diz Soares.
Salomão, da Genial, diz ainda que, para efetuar a operação, o investidor também precisa ter um volume financeiro na conta da corretora que funciona como uma espécie de garantia (margem), para assegurar que ele terá condições de arcar com eventuais prejuízos.
A margem varia de ação para ação e tende a ser maior quanto mais volátil é o histórico do ativo escolhido.
Segundo o operador da Genial, com a entrada maciça de investidores pessoa física na Bolsa nos últimos anos de juros baixos, aumentou também a presença desse público nas operações vendidas na Bolsa --dados levantados pela Genial indicam que, no acumulado do ano, até o início de setembro, o investidor pessoa física foi o responsável por cerca de 14% das operações de empréstimos de ações no mercado, que movimentou um volume total de R$ 400 bilhões no período, entre tomadores e doadores.
As ações do IRB, que, após o IPO, em julho de 2017, estiveram por algum tempo entre as prediletas dos investidores, entraram em uma espiral negativa em meados de 2019, após a empresa ser acusada pela gestora Squadra de maquiar os números nos balanços trimestrais, de modo a apresentar uma fotografia melhor do que era, de fato, sua real situação.
Em carta publicada em 13 de agosto, a gestora afirma que, ao final do primeiro semestre do ano, ainda mantinha uma posição vendida em IRB, mas em menor proporção em comparação com os períodos anteriores, diante da desvalorização já sofrida pelas ações.
"Seguiremos com o mesmo foco em oportunidades short [vendidas], porém não será trivial nos depararmos com outra história como essa", reconhece a gestora no documento.
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